"Não deixes de fazer o bem a quem o merece, estando em tuas mãos a capacidade de fazê-lo"



sábado, 27 de fevereiro de 2010

"Ganhamos mas não levamos".

Análise jurídica do caso dos apostadores da mega sena de Novo Hamburgo


1. Suporte fático: os apostadores do bolão de Novo Hamburgo

No sábado, 20.02.2010, um grupo de 40 apostadores de Novo Hamburgo/RS teria participado de um bolão e acertado todas as dezenas sorteadas no Concurso n. 1.155 da Mega Sena, cujo prêmio se encontrava acumulado em 52 milhões de reais.

No entanto, a aposta realizada na casa lotérica Esquina da Sorte não foi lançada no sistema de controle da Caixa Econômica Federal – CEF, o que os impediu de receber o milionário prêmio.

Em decorrência disso, para a CEF não houve acertadores das 6 dezenas, razão pela qual o prêmio teria acumulado para 61 milhões de reais.

O grupo de 40 apostadores tem apenas um papel comprovando os números da aposta, fornecido pela casa lotérica. Contudo, para a CEF somente o comprovante emitido pelo terminal de apostas é documento comprobatório para fins de recebimento de prêmios.

Segundo o gerente da casa lotérica, uma sociedade empresária terceirizada é quem cuidaria de fazer as combinações, e aquela apenas as apresentaria para os apostadores interessados. Aduz que poderia ter havido então algum erro gráfico, ou mesmo de digitação das apostas no sistema.


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2. Relação jurídica: o contrato de aposta

A relação jurídica existente entre os apostadores do referido bolão e a casa lotérica guarda natureza contratual e caracteriza-se como uma aposta. Nas linhas que se seguem procuraremos oferecer os elementos fundamentais desta figura contratual.

De início, algumas distinções entre jogo e aposta fazem-se oportunas. Apesar de receberem o mesmo tratamento jurídico, em razão da enorme semelhança que apresentam entre si, pelo fato de ambos estarem sujeitos à sorte, dependendo a prestação de uma das partes a outra, da verificação de um resultado ou acontecimento incerto, jogo e aposta são contratos distintos.

No jogo, as partes participam ativamente para a realização do acontecimento ou resultado. Esta participação pode ser tanto de caráter físico quanto intelectual, ou ainda envolver atividades de ambos os gêneros.

Assim sendo, considera-se jogo o carteado, a dama, o xadrez etc., em que se verifica a participação direta das partes, de sorte a influenciar no resultado final.

Já a aposta é caracterizada pela não participação das partes, ou seja, pela não intervenção de ambas na eclosão do acontecimento ou resultado incerto. Há apenas emissão de opiniões divergentes entre as partes, sobre um fato ou acontecimento que não depende da ação humana, ou então que dependa da ação de terceiros, estranhos às partes.

Observamos, contudo, que jogo e aposta são figuras tão próximas, que às vezes, na linguagem coloquial, acabamos utilizando uma pela outra. Assim nos ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [01] que quando dois amigos resolvem apostar uma corrida entre si, em verdade estão praticando um contrato de jogo. Ao contrário, quando falamos em jogar na Mega Sena, na verdade não estamos jogando, estamos sim apostando porque nossa opinião quanto às seis dezenas em nada influencia na verificação do resultado.

Os jogos e apostas podem ser de três espécies: proibidos, tolerados e autorizados. Os autorizados são aqueles albergados em lei, como é o caso da aposta em concursos de prognósticos.

Basicamente, o que diferencia, de um lado os jogos proibidos e tolerados, e de outro os autorizados, é a exigibilidade jurídica da prestação em favor do contemplado no jogo ou na aposta. Enquanto que nos primeiros a prestação não é exigível juridicamente, no caso dos jogos e apostas autorizados, o vencedor tem ação para exigir o pagamento do prêmio.

Elucida Guilherme Calmon Nogueira da Gama [02] que na obrigação juridicamente inexigível (denominada de obrigação natural pelo CC/16) existem direito e obrigação, mas o credor não está munido da faculdade de promover seu adimplemento forçado. Há, portanto, o débito desacompanhado da responsabilidade.

Percebemos por isso que o direito dispensou especial atenção aos jogos e apostas autorizados, uma vez que, conforme leciona Paulo Nader [03], a par de sua conotação recreativa, são úteis às políticas públicas, pois beneficiam os setores envolvidos. É o caso do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – que tem como uma de suas fontes de custeio, os valores recebidos dos apostadores em concurso de prognósticos, nos termos do art. 26 da Lei n. 8.212, de 24.07.1991, nestes termos:

"Art. 26. Constitui receita da Seguridade Social a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os valores destinados ao Programa de Crédito Educativo. § 1º Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

2º Para efeito do disposto neste artigo, entende-se por renda líquida o total da arrecadação, deduzidos os valores destinados ao pagamento de prêmios, de impostos e de despesas com a administração, conforme fixado em lei, que inclusive estipulará o valor dos direitos a serem pagos às entidades desportivas pelo uso de suas denominações e símbolos.

3º Durante a vigência dos contratos assinados até a publicação desta Lei com o Fundo de Assistência Social-FAS é assegurado o repasse à Caixa Econômica Federal-CEF dos valores necessários ao cumprimento dos mesmos."


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3. Conduta ilícita: a não efetivação da aposta junto à Caixa Econômica Federal

Como vimos no tópico introdutório, os apostadores efetuaram o pagamento pelas apostas mediante bolão. A casa lotérica, por sua vez, não cuidou de fazer registrar aquela aposta junto à CEF. Uma vez anunciado o resultado, os apostadores do bolão não puderam receber o prêmio de R$ 52 milhões porque, para a CEF, a aposta seria inexistente.

Ora, percebemos que a conduta omissiva da casa lotérica violou direito dos apostadores, e causou-lhes dano. O fato ora narrado subsume-se à regra geral de responsabilidade civil, prevista no art. 186 do CC, a saber:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Estamos diante da regra geral de responsabilidade civil subjetiva, ou seja, que imprescinde da prova de culpa do causador do dano, para que este possa ser judicialmente compelido a indenizar.

Certamente que o ônus de fazerem a prova de culpa não seria interessante para os apostadores. Estes, de fato, têm em seu socorro o CDC, que prevê a responsabilidade civil objetiva por fato do serviço, já que a casa lotérica nada mais fez do que prestar um serviço para a CEF, defeituoso, digamos de uma vez.

Segundo explica Roberto Senise Lisboa [04], a distinção básica entre produto e serviço é a preponderância da atividade do fornecedor para a outorga de um bem material ou imaterial. Sob a ótica do CDC há duas espécies de serviço, o por natureza e o por definição legal. Dentre os serviços por definição legal, elencados no § 2º do art. 3º do CDC, estão os de natureza bancária. Caso as apostas em loteria não possam ser consideradas serviços de natureza bancária, cairão na vala comum que é a de serviço por natureza, assim entendido toda atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração. Se esse serviço puder ser enquadrado na noção de serviço público, então a base da responsabilidade civil objetiva desloca-se para o § 6º do art. 37 da CF/88. Como podemos perceber, independentemente de qual seja o fundamento jurídico da responsabilidade civil da CEF, sua responsabilidade será objetiva.

Caberia aos apostadores, então, acionar a casa lotérica com base na responsabilidade objetiva do fornecedor de serviço, com fulcro no caput do art. 14 do CDC, que assim dispõe:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

O § 1º do mesmo dispositivo determina a noção de defeito do serviço, nos seguintes termos:

"§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido."

De simples leitura dos textos consumeiristas supracitados, temos elementos mais do que suficientes para concluir que o risco que se poderia esperar da prestação do referido serviço era nenhum. Bastante seria que, após receber o valor da aposta, a casa lotérica providenciasse seu registro junto à CEF, por meio de simples alimentação de sistema informatizado.

Resolvida a questão de prescindibilidade do ônus da prova de culpa do fornecedor, que é a casa lotérica, caberia então aos apostadores ingressar em juízo contra si. Entrementes, é bastante provável que o patrimônio da casa lotérica não seja suficiente para fazer frente a uma indenização de R$ 52 milhões, o que poderá acarretar a abertura de seu processo de falência.

Se não a casa lotérica a pessoa jurídica mais indicada para o pagamento da indenização aos apostadores, quem então deverão acionar? Procuraremos, no tópico seguinte, demonstrar que a CEF responde objetivamente pelos atos da casa lotérica.


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4. Responsabilidade objetiva impura: o comitente responde por ato do cometido

À luz da moderna doutrina, a teoria objetiva pode ser subdividida em pura e impura.

Segundo seu idealizador, Álvaro Villaça Azevedo [05], a responsabilidade objetiva, como regulada no CC, ainda guarda muito apego à teoria da culpa. Nesta ordem de idéias, a responsabilidade objetiva impura tem, sempre, como substrato, a culpa de terceiro vinculado à atividade do indenizador, enquanto que a teoria objetiva pura não se liga à culpa de quem quer que seja.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka [06] expõe matizar-se a responsabilidade civil objetiva pura pelas cores da absoluta desimportância de se indagar a respeito da culpa, quer seja a do próprio agente obrigado legalmente a pagar, quer a da vítima, quer a de terceiro, seja ele quem for; e se matiza, também, pelas cores da esdrúxula fonte da qual se origina, vale dizer, a atividade licitamente desenvolvida, sob as ordens e exigências legais de toda a espécie, mesmo que a fonte próxima seja o próprio fato jurídico causador dos danos.

Em nossas sínteses, diríamos que na responsabilidade objetiva impura a pessoa que indeniza o faz sem que tenha necessariamente agido com culpa; indeniza-se por culpa de outrem. Já na objetiva pura, não interessa se há culpa de alguém, indeniza-se porque a lei assim o determina. No caso sob exame, falamos da teoria objetiva impura, por fato de terceiro. Não há culpa da CEF, mas esta indeniza, objetivamente, por culpa de terceiro por quem responde por força de lei.

Assim, para acionarem a CEF, os apostadores podem se valer da teoria da responsabilidade objetiva por fato de terceiro, nos moldes do art. 932, III, do CC, nestes termos vazados:

"Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".

Essa responsabilidade do comitente, por ato de seu cometido será objetiva, por força do que dispõe o art. 933 do CC, a saber:

"Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

A teoria da responsabilidade por fato de terceiro tem origem no Code Napoléon que, em seu art. 1.384 assim dispõe:

"On est responsable non seulement du dommage que l´´on cause par son propre fait, mais encore de celui qui est causé par le fait des personnes dont on doit répondre, ou des choses que l´´on a sous sa garde. (...)

Le père et la mère, en tant qu´´ils exercent le droit de garde, son solidairement responsables du dommage causé par leurs enfants mineurs habitant avec eux.

Les maîtres et les commettants, du dommage causé par leurs domestiques et préposés dans les fonctions auxquelles ils les ont employés;

Les instituteurs et les artisans, du dommage causé par leurs elèves et apprentis pendant le temps qu´´ils sont sous leur surveillance. [07]"

Ensina René Demogue [08] que a condição de preposto caracteriza-se essencialmente por Sua dependência, subordinação e obediência, necessárias à direção, supervisão e outras ordens do comitente. Após afirmar que são os prepostos quem representam uma pessoa de modo permanente, exemplifica com o agente de seguro, representante comercial, administrador etc.

O esforço argumentativo que se segue é no sentido de demonstrarmos que a CEF é responsável por ato da lotérica, porquanto esta agiu por conta e no interesse daquela.

Não teria a CEF como manter em todos os bairros de cada cidade do país aparato físico, tampouco pessoal suficiente concursado como empregados públicos, para se dedicarem à realização de apostas. Em face dessa carência técnica, física e financeira, a CEF delega a algumas sociedades empresárias o exercício da função de arrecadar e repassar o dinheiro das apostas, bem como registrá-las em sistema informatizado. Essas pessoas jurídicas empresárias são, em sua maioria, as conhecidas casas lotéricas, mas não as únicas. Sabemos também de alguns provedores de internet credenciados para receber apostas e efetuar descontos em boletos de mensalidade de prestação do respectivo serviço de acesso à internet.

Verificada que está essa necessidade da CEF de pulverizar os pontos de apostas pelas lotéricas espalhadas por todo o país, é ela, CEF, a responsável por atos de seus cometidos que, nesta qualidade, causarem danos a terceiros.

A jurisprudência pátria, inclusive, conhece que se pode estender a noção de preposto de uma pessoa jurídica a outra pessoa jurídica, senão vejamos:

"INDENIZATÓRIA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NO LITORAL. PAGAMENTO DA METADE DO ALUGUEL ANTECIPADO. INQUILINA QUE, NA DATA PREVISTA PARA O INÍCIO DO CONTRATO, DEPARA COM OUTRAS PESSOAS OCUPANDO O IMÓVEL. CELEBRAÇÃO DO CONTATO PELA CORRETORA DO IMÓVEL À REVELIA DA PROPRIETÁRIA, SEM PODERES PARA TANTO. RESPONSABILIDADE INDIRETA E OBJETIVA DA ADMINISTRADORA PELOS ATOS PRATICADOS POR SUA PREPOSTA, AINDA QUE TENHA HAVIDO ABUSO DE FUNÇÕES. ARTS. 932, III, C/C 933 DO CC.

1) Proprietária do imóvel que deve ser responsabilizada apenas pela devolução do valor do aluguel que recebeu, mesmo sem autorização, via depósito em conta corrente. Ausência de responsabilização pelos danos materiais ou morais sofridos pela autora, pois não houve culpa da dona do imóvel, que não havia dado poderes à corretora para celebrar contratos em seu nome.

2) Administradora de imóveis que, na condição de comitente da corretora, responde pela integralidade dos prejuízos suportados pela vítima, mesmo que tenha havido abuso de funções por parte da preposta, ficando-lhe assegurado o exercício de direito de regresso. (...)" (TJ/RS – 3ª t. rec. – Recurso Inominado n. 71002298297 – Rel. Eugênio Facchini Neto – j. 28.01.2010 – v.u).

Para os apostadores prejudicados é vantagem o ingresso de demanda em face da CEF, em razão de sua maior solvabilidade. Caberá então à CEF ressarcir-se junto à casa lotérica, sua cometida, conforme explanaremos a seguir.


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5. O único documento válido é o comprovante de aposta: a alegação da própria torpeza confronta com o princípio da boa-fé

A CEF aduz que o único documento válido para legitimação do recebimento do prêmio é o comprovante de aposta, emitido em nome de uma única pessoa. Em outras palavras, para a CEF, o documento emitido pelas lotéricas pelos chamados bolões não tem nenhum valor jurídico. Ora, toma-nos de assalto uma tal informação, pois não era de sua ignorância que essa prática sempre existiu e, digamos com todas as letras, sempre lhe trouxe vultoso retorno. O que pretende a CEF agora, após por tantos anos ter se beneficiado das apostas feitas em bolões, negar-lhes reconhecimento?

Frente a tal argumento, em nosso entender completamente infundado, algumas palavras sobre o princípio da boa-fé objetiva devem ser trazidas.

A boa-fé objetiva é uma cláusula geral que determina um padrão ético, de comportamento a ser observado no caso concreto, tendo-se em vista o que se espera do homem mediano frente a cada situação, particularmente considerada. Não se leva em conta o estado psicológico do sujeito, mas se lhe exige que siga um padrão de conduta socialmente aceito e eleito como correto.

Sintetiza Guilherme Calmon Nogueira da Gama [09] que a boa-fé objetiva é parâmetro de correção de conduta leal, proba e honesta. Já a boa-fé subjetiva é considerada como estado anímico representado pela ignorância de determinado aspecto relevante da avença, proporcionando a crença pessoal de se estar agindo conforme ao direito.

Para identificarmos a boa-fé objetiva, devemos saber como o homem mediano agiria, como pensaria, o que dele se poderia esperar, em determinada situação, e de acordo com as circunstâncias que a envolvem, como idade, sexo, condição social, região do país etc. Respondendo a essas indagações, ou a outras análogas, é que encontraremos a definição de boa-fé objetiva e, como já podemos perceber, seu sentido poderá variar, de acordo com cada situação, concretamente considerada. Daí dizermos que a despeito de seu caráter principiológico, a boa-fé objetiva é também uma cláusula geral, cujo sentido fica na dependência de ser preenchido pelo intérprete, para possibilitar que o princípio maior, da eticidade, seja atendido.

Deste modo, como cláusula geral, a boa-fé objetiva apresenta sentido móvel, permitindo que o magistrado o ajuste às particularidades do caso concreto, tais como o local onde se entabula o negócio, a natureza do contrato, bem como o grau de instrução dos contratantes.

Segundo Judith Martins Costa [10], a boa-fé objetiva é um mandamento de cooperação intersubjetiva e de consideração aos interesses do parceiro contratual. Podemos dizer que se trata de um padrão de conduta, de um comportamento reto, leal, honesto e de colaboração, que atenda às justas expectativas da outra parte.

Conforme nos ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [11], ao lado do dever jurídico principal, consubstanciado em prestação de dar, fazer ou não fazer, existem os deveres laterais, anexos ou satelitários, como querem os professores citados, decorrentes da boa-fé objetiva, e consistentes em lealdade, confiança, assistência, informação, confidencialidade, sigilo, dentre outros.

Esse princípio concretiza o princípio da eticidade, que, ao lado da operabilidade e sociabilidade, norteia todo o CC.

Do princípio da boa-fé objetiva decorrem outros subprincípios, dentre os quais de perto nos interessa o tu quoque. É expressão retirada da conhecida frase Tu quoque Bruti filli mi? – até tu Brutus, meu filho? – proferida por Júlio César.

Trata-se da vedação pelo direito da utilização de uma faculdade, que foi obtida ilicitamente. Ou seja, aquele que infringiu uma norma jurídica não pode invocá-la em proveito próprio.

Configura-se na proibição de o interessado valer-se da própria torpeza para pleitear direitos.

Em arrimo ao entendimento aqui esposado, trazemos à lume o seguinte julgado:

"NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. APELAÇÃO CÍVEL. Restando comprovado que a autora se beneficiou com o valor do empréstimo em discussão e, considerando que o banco responde pelos atos praticados por seus prepostos no exercício do trabalho que lhes competir, conforme artigo 932, inciso III, do CPC, a manutenção da sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido, é medida que se impõe. Apelações desprovidas." (TJ/RS – 11ª C. Civ. – A.C. 70031598337 – Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – j. 25.11.2009 – v. u.).

Entendido que inexiste arrimo para que alguém se socorra da própria torpeza, analisemos, no tópico que se segue, a situação da CEF, caso seja condenada a prestar a indenização aos apostadores do bolão.


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6. Direito de regresso: a desconsideração da personalidade jurídica da casa lotérica

Uma vez condenada à reparação civil, consistente no pagamento do prêmio aos apostadores, a CEF terá legitimidade para, em direito de regresso, acionar a pessoa jurídica da casa lotérica. É isso que preconiza o art. 934 do CC, a saber:

"Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz."

A CEF poderá acionar a casa lotérica em ação autônoma, ou na mesma ação em que é demandada. No segundo caso, poderá valer-se da denunciação à lide, conforme prevista no art. 70, III, do CPC, a saber:

"Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda."

Como percebemos, o CPC não cuidou de definir o instituto da denunciação à lide, passando logo à sua enumeração. Segundo Daniel Assumpção Neves [12], trata-se de modalidade de intervenção de terceiros que se presta para que uma das partes traga ao processo um terceiro que tem responsabilidade de ressarci-la pelos eventuais danos advindos do resultado desse processo. O direito regressivo da parte contra terceiros é o fator principal que legitima a denunciação da lide.

Diferentemente da responsabilidade da CEF perante os apostadores, que é objetiva, a responsabilidade da casa lotérica em relação à CEF será subjetiva, com base no princípio geral de responsabilidade civil insculpido no já transcrito art. 186 do CC. Em outras palavras, para ressarcir-se, deverá a CEF, em ação de regresso, provar a culpa do administrador ou gerente da casa lotérica.

Ainda assim, como já dissemos supra, muito provavelmente a casa lotérica não terá lastro para fazer frente à tamanha reparação.

Sabemos também da existência de um princípio que vinha expresso no CC/16, mas não repetido no CC/02, de que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o de cada um de seus sócios. Falamos aqui do art. 20 da anterior codificação que assim dispunha:

"Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros."

Se não foi expressamente repetido pela atual codificação, esse princípio decorre do próprio sistema, já que a pessoa jurídica titulariza personalidade jurídica diversa da de cada um de seus sócios. Ademais, apenas a título de esclarecimento, a única hipótese de coexistência de patrimônio seria o caso do empresário individual, ou seja, do empresário pessoa natural que, ainda assim, destaca parte de seu patrimônio para emprego no exercício da empresa.

Em caso de abuso da personalidade da pessoa jurídica, caracterizada pelo abuso de sua finalidade, presumida esta em caso de confusão patrimonial, o juiz, a requerimento da parte interessada, ou do MP, quando lhe couber intervir nos autos, poderá desconsiderar a personalidade jurídica em relação a determinados atos.

É para coibir essa espécie de abuso que a doutrina desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine ou disregard the legal entity. No direito francês recebeu a denominação de abus de la notion de personnalité sociale e na itália, teoria do superamento della personalità giuridica.

Segundo essa teoria, o juiz poderá afastar a aplicação do princípio constante no art. 20 do CC/16, de que a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus sócios, quando estes agirem de má-fé ou com fraude,para sujeitar o patrimônio dos sócios à satisfação das obrigações contraídas pela sociedade, mediante o levantamento do véu da personalidade jurídica – lifting the corporate veil.

Entretanto, a decisão judicial que desconsidera a personalidade da pessoa jurídica não desfaz seus atos constitutivos, nem extingue sua personalidade jurídica, porque tais atos são apenas suspensos provisoriamente, e para efeitos decorrentes do caso concreto. Em outras palavras, a desconsideração da personalidade jurídica tem natureza unicamente processual, de modo que é correto afirmar que desconsideração não importa em despersonificação.

O CC/02 disciplinou a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 50, dispondo que:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

Primeiramente vale salientarmos que o simples inadimplemento de obrigações contraídas pela pessoa jurídica, desacompanhado de seu uso abusivo, não é fato suficiente a autorizar a desconsideração de sua personalidade. Caso bastasse o mero inadimplemento, a desconsideração, que deveria ser excepcional, passaria a tornar-se regra, o que certamente prejudicaria a segurança jurídica que deve sempre fazer-se presente nos negócios obrigacionais.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [13] chamam a atenção para o fato de que a norma geral sobre a desconsideração da personalidade jurídica não se limita aos sócios, estendendo-a aos administradores da pessoa jurídica. Isso porque, muitas vezes, os administradores são os verdadeiros donos da pessoa jurídica que, por sua vez, é registrada em nome dos chamados "testas-de-ferro".

Ainda há um importante desdobramento acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que se faz oportuno esclarecermos.

Existem a teoria maior e a menor da desconsideração da personalidade jurídica. Segundo a teoria maior, o juiz fica autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica para coibir fraudes e abusos praticados em seu nome. Como vemos, para essa teoria, a desconsideração só tem lugar em casos específicos.

Já a teoria menor autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica em caso de mero prejuízo do credor. Trata-se de formulação muito mais elástica, e muito menos elaborada. Vem prevista no § 5º do art. 28 do CDC, nos seguintes termos:

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores."

Entre a CEF e a casa lotérica, deve ser adotada a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do citado art. 50 do CC, porquanto a relação jurídica travada entre ambas, de comitente e cometido, não se configura como de consumo. Caso os apostadores houvessem ingressado diretamente em face da casa lotérica, aí sim poderiam utilizar-se da teoria menor, porquanto entre estes configurada estaria a relação de consumo.

Fato é, no entanto, que quer utilizada a teoria da disregard pela CEF contra a casa lotérica, ou mesmo pelos apostadores contra ela, em nenhum caso acreditamos que seus sócios ou administradores terão lastro suficiente para o pagamento de uma indenização no importe de 52 milhões de reais.


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7. Aspectos penais do ilícito civil: a configuração do delito de estelionato

É importante termos em mente que a prática de uma conduta tipificada como crime atinge o interesse de toda a sociedade, e por isso deve ser reprimida pelo Estado. Não menos verdade é, todavia, que essa mesma conduta pode atingir um interesse privado do ofendido, quer o prejuízo advenha em seu patrimônio, quer em seus direitos da personalidade.

Sabemos, outrossim, da relação de relativa independência das instâncias penal e civil, conforme disposto no art. 935 do CC, a saber:

"Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal."

Como já tivemos oportunidade de destacar, concomitantemente ao ilícito civil, pode ser configurado um ilícito penal, para tanto bastando que determinada conduta, levada a efeito, esteja descrita em alguma lei penal, como fato típico.

Informam Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly [14] que o direito comparado conhece dois sistemas de disciplina da interdependência entre as instâncias penal e civil, a saber:

a) sistema da união, pelo qual o juiz penal resolve sobre o crime e sobre a reparação do dano; e

b) sistema da separação, pelo qual a reparação deve ser pleiteada no juízo cível.

No Brasil vigora o sistema da separação, nos termos do art. 935 do CC, ao passo que, por exemplo, em Portugal, como regra, vigora o sistema da união por força do art. 71 de seu CPP.

Não nos esqueçamos, contudo, que a teoria geral do processo, dentre outros, é regida pelo princípio da unidade de jurisdição. Segundo esse princípio, a divisão da justiça em matérias especializadas tem unicamente caráter prático, possibilitando, do ponto de vista didático, melhor organização dos estudos, e do ponto de vista da atuação dos magistrados, uma maior especialização na matéria.

Nas explanações de Fredie Didier Júnior [15], por questão de conveniência, especializam-se setores da função jurisdicional. Distribuem-se as causas pelos vários órgãos jurisdicionais, conforme as suas atribuições, que têm seus limites definidos em lei. Limites que lhes permitem o exercício da jurisdição. A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal. Entretanto, para que mais bem seja administrada, há de ser feita por diversos órgãos distintos.

Então, quando falamos de instâncias criminal e civil, o fazemos em razão da competência material atribuída a cada juízo, sem perdermos de vista o princípio da unidade de jurisdição.

No caso em tela, uma das possibilidades é que tenha sido empregado meios fraudulentos para que houvesse obtenção de indevida vantagem econômica por parte de algum agente da casa lotérica.

Se essa hipótese restar comprovada, estaremos então frente à figura típica de estelionato, prevista no art. 171 do CP. Vejamos então o que preconiza o dispositivo:

"Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa."

Comentando o dispositivo, anota Rogério Greco [16] que "desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale da fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para, de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese, lhe seriam indevidas".

Para a configuração do estelionato é necessário que uma pessoa obtenha uma vantagem ilícita para si própria ou para outra, e que dessa vantagem decorra prejuízo para alguém e mais, que a conduta do estelionatário esteja dirigida finalisticamente para o prejuízo da outra. Em outras palavras, ao falarmos de estelionato, falamos do binômio vantagem/prejuízo.

Mas, para configuração desse delito, é necessária a prova de dolo do agente fraudador, pois do contrário o fato será atípico. Sua atipicidade, entretanto, em nada interfere nos reflexos civis da conduta, importando, tão-somente, no reconhecimento de irrelevância para o direito penal.

As autoridades policiais estão investigando se se trata de um fato isolado, ou se naquela lotérica a prática de não registrar apostas era corriqueira. Logicamente que aqueles apostadores assíduos que até hoje não foram contemplados no sorteio não se preocuparam, após cada concurso, em contatar a CEF para saberem se sua aposta foi ou não registrada. Em palavras simples, se configurada a reiteração da prática delitiva, podemos então dizer que a sorte da lotérica era o azar dos apostadores. Mas desta vez, o azar da lotérica foi a sorte dos apostadores.

Contudo, a imprensa vem noticiando que uma empregada da lotérica teria cometido um erro no registro da aposta. Se essa informação se confirmar, afastado estará o estelionato, pois diante de um erro, causado por um descuido, não se pode falar em dolo de quem quer que seja, quer direto, quer eventual. Isto porque o CP prevê no parágrafo único de seu art. 18 que ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. E o estelionato só é punido na modalidade dolosa.


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8.. Observações finais

Do que aqui sustentamos, segundo nossas primeiras impressões sobre o fato são no seguinte sentido:

a) Trata-se de responsabilidade objetiva impura, por fato de terceiro.

b) Ao condenado à indenização será possível regressar contra o verdadeiro culpado, quer em ação autônoma, quer mediante intervenção de terceiros, na modalidade de denunciação à lide.

c) Em direito de regresso, a responsabilidade será subjetiva, havendo o primeiro condenado que provar a culpa daquele contra quem se pretende ressarcir.

d) O fato causador de dano na esfera cível também pode refletir na seara criminal. Em que pese a jurisdição ser una, sua divisão especializada mostra-se interessante tanto para os jurisdicionados, como para os órgãos que efetuam a prestação jurisdicional.

e) Em tese, é possível que se verifique a prática do delito de estelionato. Este delito, no entanto, só é punido em sua forma dolosa. Como tudo indica que houve falha humana quanto a não efetivação do registro das apostas, caracterizada está a negligência.

f) A irrelevância penal do fato não repercute na esfera civil, que busca a reparação dos prejudicados.

g) Caracterizada a fraude, mediante utilização abusiva da personalidade jurídica, pode ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para se agredir o patrimônio dos sócios, se o da sociedade empresária não for suficiente.

h) Por fim, nossa idéia não é criticar ou prejudicar quem quer que seja. Propomo-nos apenas a analisar o fato social à luz das regras oferecidas pelo arcabouço jurídico. E pudemos perceber que nosso direito encontra-se satisfatoriamente aparelhado de normas – princípios e regras – capazes de solucionar, com justiça e presteza, o caso que ora estudamos.


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9. Referências bibliográficas

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Proposta de classificação da responsabilidade objetiva: pura e impura. Cadernos de direito constitucional e ciências políticas, a. 4, n. 14, São Paulo: RT, 1996.

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DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. V. 1. 7. Ed. Salvador: JUSPODIVM, 2007.

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GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: obrigações. São Paulo: Atlas, 2008.

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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006.

MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

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NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual civil. São Paulo: Método, 2009.


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Notas

1.Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de dirieto civil, v. 4, t. 2, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 562.
2.Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Direito civil: direito das obrigações, São Paulo: Atlas, 2008, p. 190.
3.Paulo Nader, Curso de direito civil, v. 3, 4 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 399.
4.Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, 2 ed, São Paulo: RT, 2006, p. 177.
5.Álvaro Villaça Azevedo, Proposta de classificação da responsabilidade objetiva: pura e impura, Cadernos de direito constitucional e ciências políticas, a. 4, n. 14, São Paulo: RT, 1996, p. 31.
6.Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Novos rumos da reparação satisfatória, (texto gentilmente cedido por e-mail pela própria autora).
1."Alguém é responsável não só pelo dano que causar por fato próprio, mas também como daquele causado pelo fato das pessoas pelas quais se deve responder, ou das coisas que se tem sob sua guarda. (...) pai e a mãe, enquanto exercem o direito de guarda, são solidariamente responsáveis pelo dano causado por seus filhos menores que com eles habitam; Os proprietários e os comitentes, pelo dano causado por seus empregados domésticos e prepostos nas funções para as quais são empregados; os mestres e artesãos, pelos danos causados por seus alunos e aprendizes."
1.René Demogue, De La réparation civil des délits, Paris: Librairie Nouvelle de Droit ET de Jurisprudence, 1898, p. 71-72.
2.Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Direito civil, cit., p. 97.
3.Judith Martins-Costa, Diretrizes teóricas do novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 199.
4.Pablo stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso, v. 4, cit., p. 14.
5.Daniel Assumpção Neves, Manual de direito processual civil, São Paulo: Método, p. 205.
6.Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 1, 10 ed, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 233.
7.Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, Curso de processo penal, 4 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 154.
8.Fredie Didier Júnior, Curso de direito processual civil, v. 1, 7 ed, Salvador: JUSPODIVM, 2007,p. 93.
9.Rogério Greco, Curso de direito penal, v. 3, 4 ed, Niterói: Impetus, 2007, p. 239.


Fonte: GABURRI, Fernando. "Ganhamos mas não levamos". Análise jurídica do caso dos apostadores da mega sena de Novo Hamburgo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2432, 27 fev. 2010.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Os limites da competência para julgar das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI

O artigo 16, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), reza que as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI são responsáveis pelo julgamento de recursos interpostos contra penalidades aplicadas por órgãos ou entidades de trânsito.

No artigo seguinte, do mesmo diploma legal, há menção às competências das JARI, entre elas a de julgar os recursos interpostos pelos infratores, ratificando a previsão do artigo anterior.

É óbvio, porém oportuno reforçar, que às JARI não cabe defender incondicionalmente a manutenção da penalidade aplicada, ou, por outro lado, deferir recurso com fulcro em sentimento de compaixão pelo infrator ou qualquer motivo estranho ao Direito. A doutrina é sólida no sentido de entender que, à luz do Princípio da Autotutela, os órgãos julgadores, no caso em comento as JARI, devem analisar eventuais erros de forma e de mérito na autuação e na aplicação da penalidade, ainda que tais erros não tenham sido aventados pelo interessado no recurso interposto.

Ocorre que, com frequência, membros de JARI desconhecem qual o real papel a ser cumprido pelo colegiado e, ao arrepio do CTB, das resoluções do Contran, das portarias do Denatran e das demais normas de trânsito, ora ratificam penalidade aplicada de maneira equivocada, ora cancelam penalidade adequadamente aplicada.

Há situações que devem ser verificadas pelas JARI, repito, ainda que não tenham sido aventadas pelo recorrente, senão vejamos:

A Resolução Contran n. 182/05 traz a dosimetria a ser respeitada na aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir (vale lembrar que, com o advento da Lei n. 11.705/08, Lei Seca, a infração ao artigo 165 do CTB passou a ser punível com doze meses de suspensão do direito de dirigir, sem qualquer discricionariedade à autoridade de trânsito para dosar a penalidade). Ao analisar recurso, a JARI deve verificar, inclusive, se a penalidade aplicada respeitou o limite estabelecido pela resolução supracitada. Por outro lado, a JARI carece de competência para, sob o pretexto de que os argumentos alegados pelo recorrente são razoáveis, atenuar a penalidade aplicada pela autoridade de trânsito que respeitou os limites legais na sua aferição.

Outra hipótese ocorre na aplicação da penalidade por transitar com o veículo com excesso de peso, na qual o valor da multa deve ser calculado nos termos do artigo 231, V, do CTB, combinado com a Resolução Contran n. 258/07 e suas alterações. Assim, caberá à JARI retificar o valor de multa que tenha sido fixado, para mais ou para menos, ao arrepio de tais normas.

Porém, têm ocorrido situações nas quais a JARI é chamada a se manifestar sem que haja previsão legal para o processamento do recurso. Aqui faço uso de silogismo: à JARI cabe analisar somente recursos de penalidades administrativas aplicadas à luz do CTB; o expediente endereçado à JARI não trata de recurso de penalidade administrativa aplicada à luz do CTB; Logo, não cabe à JARI analisá-lo.

Vejamos duas situações que têm chegado com muita frequência às JARI:

O parágrafo terceiro, do artigo 148, do CTB, impede a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por quem, por exemplo, praticou infração gravíssima durante o período de Permissão para Dirigir (PPD). Equivocadamente, alguns infratores entendem que, nesses casos, a autoridade de trânsito, ao se negar a expedir a CNH, na prática, aplica a penalidade de cassação do documento de habilitação, daí decorreria o legítimo direito de recorrer da pseudopenalidade à JARI.

Nesses casos, o infrator tem direito a recorrer apenas da penalidade da multa aplicada pela prática da infração gravíssima. Esgotados os meios recursais, nos termos do artigo 290, do CTB, e mantida a penalidade de multa, a não-expedição da CNH, decorrido um ano de PPD, é consequência automática.

Não há de se falar, aqui, de penalidade de cassação ou de qualquer outra penalidade aplicada. A não-expedição da CNH, nos termos do parágrafo terceiro, do artigo 148, do CTB, frustra mera expectativa de direito (esse, também, é o entendimento alcançado pela Segunda Turma do STJ no Recurso Especial n. 726.842 – SP).

Vale salientar que o artigo 148 em tela se encontra no Capítulo XIV (Da Habilitação) e as penalidades, no Capítulo XVI (Das Penalidades), do CTB, em inequívoca demonstração de que a não-expedição da CNH, com fulcro no citado artigo, não tem natureza jurídica de penalidade administrativa.

Outra situação se refere a expediente contra a não-aplicação da penalidade de advertência por escrito.

O infrator, encontrando-se em uma das hipóteses previstas no caput do artigo 267, do CTB, o qual reza: "Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa", pode requerer à autoridade de trânsito a aplicação da penalidade de advertência por escrito (muitas vezes, em momento inoportuno, após a aplicação da penalidade de multa, o infrator solicita a conversão em advertência por escrito). A decisão da autoridade de trânsito pela não-aplicação da advertência por escrito, não possibilita recurso à JARI, pois, caso ocorresse, estar-se-ia, de maneira absurda, diante de recurso de não-aplicação de penalidade.

É curioso ter que repetir o óbvio, mas cabe exclusivamente à autoridade de trânsito a aplicação das penalidades administrativas previstas no CTB. Assim, caso a JARI entendesse assistir razão ao infrator, e, por conseqüência, aplicasse a penalidade de advertência por escrito, estaria exercendo competência que a lei não lhe confere.

Nos dois exemplos acima (não-expedição da CNH e não-aplicação da penalidade de advertência por escrito), em que há expediente remetido à JARI (recuso-me a chamar de recurso tal expediente) não há previsão legal para sua análise.

É temerária essa postura que vem se reiterando no sentido de o cidadão se socorrer da JARI diante de qualquer ato da autoridade de trânsito que o desagrade. Há, sem dúvida, espaço para que o cidadão defenda eventual direito ofendido pela autoridade de trânsito, mas, em respeito ao Estado de Direito, isso deve ser buscado, conforme o caso, junto à própria autoridade de trânsito ou à autoridade administrativa superior a esta, ou, ainda, ao Poder Judiciário. A JARI, repetindo o óbvio, cabe analisar somente recursos de penalidades administrativas de trânsito.

Fonte: PAZETTI, Arnaldo Luis Theodosio. Os limites da competência para julgar das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2431, 26 fev. 2010.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Projeto de Lei nº 6.433/09. Relevantes alterações legislativas quanto aos alimentos.

Da possibilidade de renúncia aos alimentos e de o (a) amante ser responsabilizado pelo pagamento de pensão alimentícia

Introdução

Tramita pelo Congresso Nacional o projeto de lei 6433/09, de autoria do deputado Paes de Lira que, entre outras coisas, prevê a possibilidade de renúncia aos alimentos por parte do cônjuge quando da separação judicial e de o terceiro responsável pelo rompimento de uma sociedade matrimonial ser compelido a arcar com o pagamento de pensão alimentícia ao cônjuge infiel. Segundo a justificativa do projeto, se, num primeiro momento, respeitar-se-ia a vontade das partes e sua capacidade de renunciar os alimentos quando exercesse atividade laborativa, por outro, buscar-se-ia atribuir responsabilidades para quem contribuiu com o fim do matrimônio, supostamente se evitando que terceiros desestruturem lares e famílias, sem qualquer obrigação legal. Ousa-se, agora, tecer algumas considerações sobre os temas.

Alimentos

Os alimentos, tal qual nos ensina Ricardo Rodrigues Gama (2000, p. 11), caracterizam-se como o montante, em dinheiro ou não, necessário à subsistência de uma pessoa.

"Por alimentos, entenda-se a obrigação de dar um montante, em dinheiro ou não, a outra pessoa, para a sua subsistência. Subentende-se incluso em alimentos, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, a assistência médica e os medicamentos".

E por Yussef Said Cahali (1998, p. 16):

"Alimentos são pois, as prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)".

Consoante ponderado noutro estudo de nossa autoria (2009), o conceito jurídico de alimentos não pode ser confundido a acepção comum da palavra, pois abrange não apenas as substâncias nutritivas necessárias ao corpo humano, mas tudo que se coaduna com a subsistência digna da pessoa, como o vestuário, a habitação, os medicamentos, etc.

Neste contexto, as palavras do saudoso Sílvio Rodrigues (1993, p. 380):

"Alimentos, em direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também de vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução".

A obrigação alimentar

A legislação estabelece a obrigação alimentar entre os parentes, cônjuges e companheiros, no artigo 1.694 do Código Civil:

"Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação."

É recíproco o direito à prestação de alimentos entre pais e filhos, cônjuges e companheiros.

O dever de prestação de alimentos é imposto por lei, consoante Yussef Said Cahali (1998, p. 16):

"Constituem os alimentos uma modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsistência, à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo".

Ademais, lei, conforme o caso, pode impor a obrigação de pagamento de alimentos naturais (aqueles estritamente necessários para a mantença da vida de uma pessoa) ou civis (abrangentes de outras necessidades, morais, intelectuais, de recreação, etc, segundo a qualidade do alimentando).

A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, devida pelo alimentante ao alimentado, em função do parentesco existente.

Da irrenunciabilidade os alimentos

São características da obrigação alimentar, dentre outras, a impenhorabilidade, a pessoalidade, a imprescritibilidade, a incompensabilidade e a irrenunciabilidade.

A irrenunciabilidade seria decorrência direta do interesse público.

Nas palavras de Milena Caggy (2003):

"O legislador atribuiu interesse público à impossibilidade de abdicar desse direito. (...) Esse é o entendimento do professor Washington de Barros Monteiro. (...) O encargo alimentar é de ordem pública, imposto pelo legislador por motivo de humanidade e piedade. Por isso mesmo, não pode ser renunciado. (...). Não é válida, portanto, a declaração segundo a qual um filho vem a desistir de pleitear alimentos contra o pai. Embora necessitado, pode o filho deixar de pedir alimentos, mas não se admite renuncie ele tal direito".

Pondera Venosa (2006, p. 383), que "o direito pode deixar de ser exercido, mas não pode ser renunciado, mormente quanto aos alimentos derivados do parentesco".

O doutrinador Flávio Tartucce (2008) entende que os alimentos seriam irrenunciáveis porque derivados do princípio da dignidade da pessoa humana, inseridos dentre os direitos da personalidade.

Todavia, esta irrenunciabilidade é muito questionada com relação à obrigação alimentar originária do casamento e da união estável.

Grande parte da doutrina entende ser perfeitamente possível a renúncia a alimentos pelo cônjuge ou convivente quando da separação ou dissolução da união. A pessoa não poderia permanecer refém de seu ex-esposo (a), que teria a faculdade (o "poder") de acioná-la a qualquer tempo, quando necessitasse de alimentos.

Leciona Venosa (2006, p. 185):

"Os alimentos devidos reciprocamente pelos cônjuges resultam do vínculo conjugal e não do parentesco. (...) Sob o aspecto técnico, não há dúvida de que a renúncia aos alimentos pelo cônjuge é manifestação de vontade válida, pois apenas os alimentos derivados do parentesco são, em princípio, irrenunciáveis. O dever de mútua assistência entre os cônjuges rompe-se quando é desfeito o casamento. Ademais, o acordo firmado na separação por mútuo consentimento é negócio jurídico bilateral com plenitude de efeitos. Se as vontades manifestam-se livremente, não há aspecto de ordem pública a ser preservado na renúncia aos alimentos. De outro lado, com a separação, desaparece o dever de mútua assistência".

E Arnoldo Wald (1995, p. 138):

"É indiscutível que os alimentos podem ser objeto de renúncia em virtude de acordo entre as partes. A jurisprudência reconhece de modo manso e pacífico que, dissolvido o casamento pelo divórcio, desaparecem as obrigações entre os antigos cônjuges".

Para Adriano Ryba (2000), a única exigência no que pertine à renúncia entre cônjuges e conviventes seria a subsistência de cláusula expressa:

"No campo da liberdade de contratar na dissolução da sociedade conjugal, fica possibilitada aos ex-cônjuges a alocação de uma cláusula, manifestando suas vontades, de renúncia ao direito de perceber alimentos de seu consorte. (...)Não se aceita renúncia tácita à um direito de tamanha dimensão."

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em sede dos Recursos Especiais nº 701902 e 95267, respectivamente, admitiu a renúncia aos alimentos pelos cônjuges, julgando válida e plenamente eficaz a cláusula inserta quando da separação judicial. In verbis:

"Direito civil e processual civil. Família. Recurso especial. Separação judicial. Acordo homologado. Cláusula de renúncia a alimentos. Posterior ajuizamento de ação de alimentos por ex-cônjuge. Carência de ação. Ilegitimidade ativa. - A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo. - Deve ser reconhecida a carência da ação, por ilegitimidade ativa do ex-cônjuge para postular em juízo o que anteriormente renunciara expressamente. Recurso especial conhecido e provido."

"Alimentos. Dispensa. I – A jurisprudência, inclusive do pretório excelso, assentou ser admissível a renúncia ou a dispensa a alimentos por parte da mulher se esta possuir bens ou rendas que lhe garantam a subsistência, até porque alimentos irrenunciáveis, assim os são em razão do parentesco (ius sanguinis), que é qualificação permanente e os direitos que dela resultam nem sempre podem ser afastados por convenção ou acordo. No casamento, ao contrário, o dever de alimentos cessa".

No mesmo sentido, posicionou-se com relação à renúncia dos alimentos pelos conviventes (AgRG nº 958962):

"Civil e processual civil. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Violação aos artigos 131, 458 e 535 do CPC. Inexistência de fundamentação suficiente. Violação a dispositivo constitucional. Incompetência do STJ. Alimentos. Renúncia pela ex-companheira. Cláusula válida. Súmulas nº 5 e 7 STJ. Desprovimento".

O projeto de lei 6433 e a possibilidade de renúncia aos alimentos

O projeto de lei nº 6433 objetiva encerrar a celeuma acerca da possibilidade de renúncia de alimentos pelos cônjuges, alterando a dicção do artigo 1707 do Código Civil, nos seguintes moldes:

"Uma vez fixados os alimentos em sentença transitada em julgado, pode o credor deixar de exercer o direito, porém lhe é vedado renunciar, salvo o cônjuge, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".

Em nossa concepção, a modificação, sem dúvidas, veio em boa hora, pois não subsiste qualquer razão para que o cônjuge não possa abdicar do direito de percepção de alimentos. Se os cônjuges se manifestam livremente, sua vontade não poderá ser tolhida. Reconhece-se legalmente, o que a jurisprudência há muito vinha decidindo.

Todavia, a dicção legislativa não é isenta de críticas pelo fato de não mencionar o companheiro. Tal qual pondera Renata Malta Vilas-Bôas (2010), o dispositivo poderá criar uma discrepância entre os cônjuges e companheiros, o que feriria os princípios constitucionais, uma vez que vedada a concessão de mais direitos aos conviventes do que aos cônjuges.

"(...) Essa inovação legislativa apresenta outro problema. Como regra, existe uma igualdade entre os cônjuges e os companheiros, já que a nossa Carta Magna permite as duas formas de constituição de família. Na forma proposta pelo projeto legislativo, que somente contempla o cônjuge, irá permitir que cheguemos a conclusões em que iremos desigualar esses dois, sendo assim, mas vantajoso ter uma união estável do que buscar a forma matrimonializada, já que a única exceção prevista é para o cônjuge e só se atinge esse status com o casamento. Dessa forma, esse artigo não deve sofrer nenhuma alteração, mas se vier a sofrer alguma alteração deve incluir o companheiro no mesmo patamar que o cônjuge".

No intuito de encerrar uma discussão iniciando outra de mesma complexidade, melhor seria que a lei se referisse "ao cônjuge e ao companheiro".

Ademais, embora a justificativa do projeto se refira a apenas um ângulo da questão (supostamente a proteção do cônjuge inocente que se separou consensualmente e que, num segundo momento, não poderia ser prejudicado), em qualquer caso de separação ou dissolução de união estável é imperioso o reconhecimento da renúncia válida.

Inovação legislativa – da possibilidade de um terceiro ser obrigado a prestar alimentos em razão da ruptura do matrimônio (ou convivência)

O projeto de lei também prevê a possibilidade de o terceiro causador da separação ser obrigado a custear alimentos ao cônjuge infiel, o que, inclusive, lhe rendeu o apelido de "projeto da vingança ao Ricardão".

Caso a proposta tenha sucesso, o artigo 1794 do diploma material civil contará com a seguinte redação em seu § 1o:

"Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso o primeiro não tenha renunciado expressamente ao direito a alimentos ou sido declarado culpado na ação de separação.

§ 1º Quando a renúncia a alimentos, na separação consensual, der-se para fazer sucumbir a apuração litigiosa da culpa de um dos cônjuges por injúria ou infidelidade, o terceiro à sociedade conjugal que para ela tenha concorrido será obrigado a prestá-los em lugar do outro cônjuge, na forma do caput."

O propósito seria impedir que o cônjuge, outrora infiel ou praticante de injúria, seja prejudicado pelo fato de ter renunciado aos alimentos quando da separação. Assim, caso tenha verificado a renúncia, o cônjuge poderá pleitear alimentos em face do terceiro.

De acordo com a justificativa do autor do projeto:

"Ainda que nossos Tribunais Superiores, em especial o STJ, já tenham sedimentado jurisprudência de que a irrenunciabilidade prevista no art. 1.707 do Código Civil contempla apenas os parentes, não alcançando os cônjuges (entre outros: STJ-3ª T.,REsp701.902, rel. in. Nancy Andrighi, j, 15.9.05, deram provimento, v.u., DJU 3.10.05, p. 249), aduz com lucidez a Exma. Dra. Maria das Graças Guerra de Santana Hamilton, MM Juíza de Direito de Vara da Família e Sucessões do Estado da Bahia, em sentença disponível, desde 02/12/2006, no "site" da Associação de Magistrados da Bahia, que a esdrúxula situação remanesce repercutindo negativamente na ordem processual, modificando o comportamento das partes e respectivos advogados e, até mesmo, de magistrados que não se sentem seguros em promover conciliações entre cônjuges quando percebem que o fato pode trazer conseqüências danosas para um deles que, sentindo-se preservado pela cláusula exoneratória, renuncia à discussão sobre a causa da separação, quadro de insegurança que labora gravosamente contra a eficácia e efetividade da prestação jurisidicional na solução dos conflitos conjugais e, por extensão, familiares.

Beirando o intolerável, ademais, avulta nesse contexto a irresponsabilidade reinante em nossa sociedade quanto ao estabelecimento de relacionamentos extraconjugais, em que terceiros aventuram-se despreocupadamente a se imiscuir em comunhões de vida alheias, concorrendo impunemente para desgraçar lares e desestruturar famílias, em prejuízo de todos os respectivos membros, por saberem que, depois da descriminalização do adultério, o Direito Civil brasileiro descurou de prever contra eles qualquer obrigação legal quando isso efetivamente acontece. Nem mesmo, sequer, a de prestar, em caso de necessidade, o mínimo de apoio material à pessoa com quem se relacionou ilicitamente. E não se aluda que cabe aos prejudicados o direito de mover ação reparatória, pois o constrangimento moral inerente inibe o seu exercício.

Visa, assim, a presente iniciativa a suprir a falta de institutos que responsabilizem objetivamente quem assim procede, atribuindo àquele que concorreu para a culpa por injúria ou infidelidade, de um dos cônjuges, determinante da separação ou divórcio, a obrigação de pensioná-lo caso não possa o mesmo, em decorrência da renúncia ou da declaração judicial de culpa, subsistir por conta própria após a separação conjugal, sem prejuízo ao direito do cônjuge aviltado de buscar a reparação entendida cabível pelos danos morais sofridos".

Embora parte respeitável da doutrina pátria, como Renata Malta Vilas Boas (2010) entenda ser louvável a previsão, sob o fundamento de que "quando uma terceira pessoa acaba sendo responsável pela dissolução do casamento, arcar com a prestação alimentícia, nada mais é do que justo, já que concorreu para aquele resultado", não entendemos desta maneira.

O dever de prestação alimentícia envolve os parentes. O (a) amante, de modo algum, enquadra-se nesta definição. O fato de o cônjuge (convivente) infiel ter renunciado os alimentos quando da separação (ou dissolução da união estável) não poderá acarretar em uma responsabilidade objetiva do amante que tiver condições de custear uma pensão. O cônjuge infiel tinha pleno conhecimento das conseqüências que adviriam desta renúncia e, se supostamente renunciou para não discutir as causas da separação, entendendo que seria declarado culpado e perderia o direito à percepção de alimentos, não é possível que os obtenha pela via oblíqua, transversa.

Greco e Antunes (2010) acrescentam que a lei visaria coibir que o cônjuge infiel prejudicasse o inocente, haja vista que, num momento posterior poderia lhe pedir alimentos face à incapacidade de prova superveniente da culpa na separação (injúria ou infidelidade).

Ora, neste ponto específico, a possibilidade de renúncia dos alimentos, também constante do projeto, per si, já resolveria o imbróglio. Afinal, uma vez se admitindo a renúncia aos alimentos quando da separação, o cônjuge infiel não mais poderia, em hipótese alguma, pleitear alimentos da outra parte. Não seria necessário garantir que o cônjuge culpado pudesse pleitear alimentos de seu (sua) ex-amante.

A possibilidade de um terceiro ser obrigado a prestar alimentos em razão da ruptura do matrimônio (ou convivência) x a possibilidade de indenização por danos morais em razão da verificação de relacionamento extraconjugal

Por derradeiro, apenas a título de esclarecimento, a possibilidade de um terceiro ser obrigado a prestar alimentos em razão da ruptura do matrimônio não se confunde com a possibilidade deste terceiro ser obrigado a ressarcir moralmente em razão da verificação de relacionamento extraconjugal.

É simples: consoante o projeto de lei, o terceiro seria obrigado a prestar alimentos, em especial, ao cônjuge (convivente) infiel (aquele com o qual, efetivamente, teve um relacionamento conjugal). Por outro lado, a indenização por danos morais em razão de verificação de relacionamento extraconjugal se dá para o cônjuge inocente.

É o cônjuge inocente quem sofre com a separação e é a ele que devem ser garantidos direitos.

Noutro estudo de nossa autoria (2009), já destacamos os requisitos necessários para a possibilidade de indenização por danos morais quando verificada a infidelidade. A posição defendida naquele ensaio se coaduna com nossa opinião presente. Se o terceiro se aventurou despreocupadamente e concorreu para desgraçar lares e desestruturar famílias (usando as expressões da justificativa do projeto), terá responsabilidades com relação ao cônjuge (convivente) inocente e não quanto ao infiel!

O cônjuge infiel que contribuiu para a ocorrência de danos à família não pode ser o privilegiado e ter garantida pensão alimentícia de outra pessoa. Ele é quem menos merece proteção!

Conclusões

O projeto de lei nº 6433/09 é louvável com relação à possibilidade de renúncia aos alimentos quando da separação judicial, colocando fim à insegurança jurídica existente. Reconhece-se a plena capacidade do cônjuge, que pode abdicar do direito de percepção de alimentos. Entretanto, deveria a lei mencionar o convivente, a fim de evitar o surgimento (ou a perpetuação) de uma nova celeuma.

Por outro lado, não assiste qualquer razão no que tange à possibilidade de o cônjuge infiel pleitear alimentos do terceiro em razão de renúncia anterior simplesmente porque, uma vez se facultando a renúncia, o cônjuge inocente já estará protegido de futuras arbitrariedades e é somente este quem deve ser tutelado de modo preferencial pelo ordenamento jurídico.

Fonte: PRETEL, Mariana Pretel e. Projeto de Lei nº 6.433/09. Relevantes alterações legislativas quanto aos alimentos. Da possibilidade de renúncia aos alimentos e de o (a) amante ser responsabilizado pelo pagamento de pensão alimentícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2429, 24 fev. 2010. Disponível em: .

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Jovem preso por se relacionar sexualmente com namorada de 13 anos é posto em liberdade


Preso após fazer sexo com a namorada de 13 anos, um rapaz de 20, teve sua prisão relaxada pelo Juiz Audarzean Santana da Silva, da Vara Criminal de Rolim de Moura. Em seu depoimento, a adolescente admitiu que não era mais virgem e que namorava o rapaz fazia três semanas.

Para o magistrado, mesmo que o acusado não tenha agido de forma correta, sua conduta não mereceria a dura punição do art. 217-A, do Código Penal, porque, ao que tudo indica "o rapaz agiu sem dolo natural, por não ter consciência da grave conduta do tipo penal e nem do resultado".

O Juiz lembrou ainda que seguindo o mesmo artigo, "não pretendeu punir desvios comportamentais de pessoas de tenra idade, que namoram com o consentimento dos pais", por isso justificou que não haveria motivo em manter a prisão do acusado, preso em flagrante.

Apesar de solto, o jovem foi advertido pelo Juiz a não se envolver sexualmente com menores de 14 anos.

Outra decisão semelhante foi tomada no 2º da grau do Judiciário de Rondônia. Um homem de 19 anos de idade, acusado de estuprar uma adolescente de 12, em Ariquemes, conseguiu por meio de um Habeas Corpus, o direito de responder o processo em liberdade. A decisão, por maioria de votos, foi da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, durante sessão de julgamento.

De acordo com o relator do HC, Desembargador Valter de Oliveira, existem nos autos declarações da vítima, afirmando que desde o mês de outubro de 2009, o casal mantinha um relacionamento amoroso. A partir de novembro a menina contou que começou manter relações sexuais, sempre com preservativos.

Fonte:Assessoria de Comunicação Institucional TJ-RO

Estupro e atentado violento ao pudor são um crime único, decide STJ

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu como crime único as condutas de estupro e atentado violento ao pudor contra uma mesma vítima, na mesma circunstância. Com isso, a Turma anulou a sentença condenatória no que se refere à dosimetria da pena, determinando que nova sanção seja fixada pelo juiz das execuções.


O agressor foi denunciado por, em 31 de agosto de 1999, constranger, mediante grave ameaça, uma pessoa a ter relação sexual com ele. Houve também, de acordo com a denúncia, coito anal. Condenado a oito anos e oito meses de reclusão, inicialmente, no regime fechado, a pena foi fixada para cada um dos delitos em seis anos e seis meses de reclusão, diminuída em um terço em razão da sua semi-imputabilidade.


No STJ, a defesa pediu o reconhecimento do crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, com o consequente redimensionamento das penas. Ao votar, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que, antes das inovações trazidas pela Lei 12.015/2009, havia fértil discussão acerca da possibilidade ou não de se reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Havia, inclusive, decisão do Supremo Tribunal Federal dizendo que estupro e atentado violento ao pudor não podiam ser crimes continuados.


Segundo o ministro Og Fernandes, para uns, por serem crimes de espécies diferentes, descaberia falar em continuidade delitiva. A outra corrente defendia ser possível o reconhecimento do crime continuado quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito. "A questão, tenho eu, foi sensivelmente abalada com a nova redação dada à Lei Penal no título referente aos hoje denominados 'Crimes contra a Dignidade Sexual'. Tenho que o embate antes existente perdeu sentido. Digo isso porque agora não há mais crimes de espécies diferentes. Mais que isso. Agora o crime é único", afirmou o ministro.


Ele destacou que, com a nova lei, houve a revogação do artigo 214 do Código Penal, passando as condutas ali tipificadas a fazer parte do artigo 213 - que trata do crime de estupro. Em razão disso, quando forem praticados, num mesmo contexto, contra a mesma vítima, atos que caracterizariam estupro e atentado violento ao pudor, não mais se falaria em concurso material ou crime continuado, mas, sim, em crime único.


O relator ainda destacou que caberia ao juiz, ao aplicar a pena, estabelecer, com base nas diretrizes do artigo 59 do Código Penal, reprimendas diferentes a agentes que pratiquem mais de um ato libidinoso. Para o relator, no caso, aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, a pena referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Isso porque o réu foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima.


Quanto à dosimetria da pena, o ministro Og Fernandes entendeu que o processo deve ser devolvido ao juiz das execuções. "A meu juízo, haveria um inconveniente na definição da sanção por esta corte. É que, em caso de eventual irresignação por parte do acusado, outro caminho não lhe sobraria a não ser dirigir-se ao Supremo Tribunal. Ser-lhe-ia tolhido o acesso à rediscussão nas instâncias ordinárias. Estar-se-ia, assim, a suprimir graus de jurisdição" afirmou o ministro.
Fonte: Assessoria de Imprensa do STJ.
HC 144.870

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

STJ julga cada vez mais ações sobre relacionamentos

Inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça mostram que qualquer relacionamento amoroso pode terminar no Judiciário. Não importa se é casamento, noivado ou um simples namoro. As leis podem ser aplicadas mesmo se o casal não divide o mesmo lar. Os casos mais recentes tratam da aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que combate a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em um processo, mesmo após quase dois anos do fim do namoro, o rapaz ameaçou a ex-namorada de morte quando ficou sabendo que ela teria um novo relacionamento. O STJ determinou que a ação seja julgada pela Justiça comum, e não por Juizado Especial Criminal, como defendia o advogado do acusado da agressão.

Em outra questão sobre a Lei Maria da Penha e namoro, o STJ entendeu ser possível o Ministério Público requerer medidas de proteção à vítima e seus familiares, quando a agressão é praticada em decorrência da relação. Para a desembargadora Jane Silva, à época convocada para o STJ, aplica-se esta lei quando há comprovação de que a violência praticada contra a mulher decorre do namoro e de que essa relação, independentemente de coabitação, pode ser considerada íntima.

Noivo em fuga
Um noivo que desistiu do casamento 15 dias antes da cerimônia ficou livre de indenizar a ex-noiva e sua família em um proceso de 2002. Apesar dos convites já distribuídos e as despesas pagas, a corte manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que isentou o ex-noivo do pagamento. O TJ-SP reconheceu o direito da ex-noiva e de seu pai à indenização pelos prejuízos morais e financeiros, mas durante o processo, o ex-noivo obteve o benefício da Justiça gratuita para responder à ação.

O TJ paulista se baseou no artigo 5º da Constituição Federal para implicar a isenção da obrigação de indenizar os autores. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes." No STJ, os ministros concluíram que o recurso, baseado no julgado do TJ-SP que seguiu o artigo 5º, não poderia ser analisado pela Corte, e sim pelo Supremo Tribunal Federal, por se referir a texto da Constituição. Por esse motivo, manteve a decisão do TJ paulista.

Casamentos e divórcios
Entre os casos analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, destaca-se a impenhorabilidade de bens, a mudança de sobrenome e anulação de matrimônio.

A Lei 8.009/90 torna impenhorável o imóvel de família onde reside o casal e, em alguns casos, outros parentes. Segundo o STJ, essa proteção prevalece mesmo quando o casal decide separar-se. Em 2008, a Corte concluiu que a
impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar. Por isso, no caso de separação surge uma duplicidade da entidade, que passa a ser composta pelo ex-marido e pela ex-mulher com os respectivos parentes.

A hipótese de continuar a usar o sobrenome do ex-marido após o divórcio também foi analisada pelo STJ. Em diversos processos, a mulher foi autorizada a manter o sobrenome do ex-marido, pois deve prevalecer a disposição legal que preserva o direito à identidade. Em uma das decisões, o tribunal assinala que o uso pode permanecer, mesmo que isso gere desconforto e constrangimento ao homem. Em outra, o tribunal avaliou a manutenção do nome após o fim de um matrimônio de 45 anos. A corte concluiu que, neste caso, obrigar a ex-mulher a retirar o nome do ex-marido poderia causar grave dano à personalidade dela e prejuízo à sua identificação diante do longo tempo em que foi apresentada com tal sobrenome.

O uso de nome em registro de óbito de companheiro, que conviveu em união estável, foi outro pedido analisado do STJ. De acordo com o tribunal, se não houve o reconhecimento oficial da convivência comum do casal, o nome do companheiro da pessoa falecida não pode constar no registro do óbito. Para o ministro Aldir Passarinho Junior, esse entendimento não nega a legislação que rege a união estável, mas é preciso focar que o reconhecimento do relacionamento não se dá automaticamente. Segundo o ministro, é preciso cuidado no registro de óbito, já que dele podem vir consequências legais.

Outro caso relacionado ao tema foi quando o STJ reconheceu a possibilidade dos noivos suprimirem um dos nomes que representa a família quando do casamento. Isso é possível desde que não haja prejuízo à ancestralidade nem à sociedade, pois o nome civil é direito de personalidade.

O pai de uma noiva descobriu, durante a lua de mel, que havia dívidas e títulos protestados contra o noivo. Em recurso, a noiva pediu a anulação do casamento, que não foi conhecida pelo tribunal. Segundo o ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo à época, caso prevalecesse o pedido pela nulidade, qualquer cheque devolvido ou fornecedor insatisfeito, chegando aos ouvidos da família da noiva, dariam margem a que seu pai fizesse com que o casal interrompesse a lua de mel, com imediata separação e ação de anulação. “O que reservar então aos falidos, concordatários, processados criminalmente, investigados por muitas mazelas?”, concluiu o relator.

Um caso de bigamia também chegou à análise do STJ. O tribunal negou a homologação de uma sentença estrangeira que tornou nulo o casamento feito no Brasil entre uma brasileira e um japonês, após ele descobrir que ela já era casada e tinha três filhos com o primeiro cônjuge. Segundo os ministros, como o casamento foi no Brasil, portanto de acordo com a lei brasileira, o pedido de nulidade do matrimônio deve ser feito de acordo com a mesma lei, e não no Judiciário japonês, como ocorreu.

Em outro caso, a corte entendeu impossível o reconhecimento concomitante de duas uniões estáveis. Para os ministros, o objetivo de reconhecer a união estável e o fato de que ela é entidade familiar não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis. “Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecerem entidades familiares múltiplas e concomitantes.”

Regime de bens
Além dos aspectos diretamente relacionados com namoro, noivado e casamento, partilha e pensão, o STJ já respondeu a diversas questões apontadas em recursos, como a de processos sobre regimes de bens.

Em julgamento de 2008, a corte permitiu a alteração do regime de bens de casamento celebrado sob a vigência do antigo Código Civil de 1916, possibilidade expressa no novo Código, de 2002, desde que respeitados os direitos de terceiros.

Em outro caso, o tribunal também definiu que cônjuges casados em comunhão de bens não podem contratar sociedade entre si. Segundo os ministros, as restrições previstas na lei pretendem evitar a utilização das sociedades como instrumento para encobrir fraudes ao regime de bens do casamento. Já os cônjuges casados em regime de separação de bens pelo Código Civil de 1916 podem fazer doações de bens entre si durante o matrimônio.

Algumas pendências judiciais sobre união estável também foram analisadas. Em uma delas, o tribunal concluiu que o direito de companheiro à metade de imóvel dado como garantia em contrato não prevalece sobre o direito do credor a executar a hipoteca. Isso se o companheiro que assinou o contrato de hipoteca omitiu a existência da união estável.
Fonte: Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

*O STJ não informou o número de todos os processos por se referirem a ações com trâmite em segredo de justiça.

RESP 963370, CC 100654, HC 92875, RESP 241200, RESP 662799, SEC 1303, RESP 952141, RESP 471958, RESP 707092, RESP 812012, RESP 1058165

Trabalhador pode acumular aposentadoria e auxílio-acidente

É legal acumular o recebimento de auxílio-acidente com aposentadoria. O aposentado que permanece trabalhando e que se acidenta no exercício da atividade profissional tem direito a auxílio-acidente. Esse foi o entendimento, por maioria de votos, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar um Incidente de Inconstitucionalidade provocado pela 17ª Câmara de Direito Público contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O INSS entendia indevida a cumulação dos benefícios. Para a autarquia federal, a acumulação não seria permitida porque a Lei 9.528/97 veda o recebimento dos dois benefícios. O auxílio-acidente é um benefício pago ao trabalhador que sofre acidente e fica com seqüelas que diminuem sua capacidade de trabalho. O benefício é concedido para os segurados que já tiveram direito ao auxílio-doença. Têm direito ao auxílio-doença o empregado, o trabalhador avulso e segurados especial.

O recurso julgado pelo Órgão Especial trata de caso de aposentado por tempo de serviço que voltou a trabalhar e que pedia indenização por ter adquirido doença ocupacional chamada disacusia neurosensorial bilateral decorrente do contato direto com máquinas ruidosos. De acordo com o parágrafo 2º do Artigo 86 da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.528/97, o aposentado que permanece trabalhando ou volta a trabalhar e se acidenta não teria direito ao auxílio.

Por maioria de votos — ficando vencido o relator Barbosa Pereira — o colegiado entendeu que o artigo questionado é inconstitucional porque não é possível desigualar o trabalhador não aposentado do aposentado. Os desembargadores Palma Bisson, Walter Guilherme e Renato Nalini sustentaram a aplicação do princípio da isonomia.

“Não é justificável erigir como fator de desigualdade entre ambos o fato da aposentadoria, negando àquele aposentado que permanece trabalhando a percepção do auxílio ou seguro correspondente quando venha a se acidentar no trabalho. Não se justifica, em nome da saúde do Tesouro da Previdência não atender à saúde do aposentado”, afirmou o desembargador Walter Guilherme.

Auxílio-acidente - Benefício é devido mesmo se lesão for reversível

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o auxílio-acidente é devido pelo INSS mesmo se a lesão sofrida pela vítima for reversível. Com base em tal interpretação, o tribunal rejeitou recurso do órgão e garantiu o direito de uma segurada de São Paulo ao benefício. O recurso foi julgado sob o rito dos recursos repetitivos e será aplicado a todos os casos idênticos.

A segurada obteve o auxílio, mas, diante da comprovação de que o seu caso poderia vir a retroceder mediante procedimentos médicos, medicamentos e tratamentos específicos, o INSS alegou que “a concessão do auxílio-acidente só é possível quando se tratar de moléstia permanente”.

No STJ, o relator do recurso, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que é ponto pacificado dentro do tribunal, que “a possibilidade ou não de irreversibilidade da doença deve ser considerada irrelevante”.

O entendimento dos ministros é o de que, “estando devidamente comprovado o nexo de causalidade entre a redução parcial da capacidade para o trabalho da pessoa e o exercício de suas funções laborais habituais, não é cabível afastar a concessão do auxílio-acidente somente pela possibilidade de desaparecimento dos sintomas da patologia que acomete o segurado, em virtude de tratamento ambulatorial ou cirúrgico”.

E, no caso em questão, a própria argumentação do INSS afirma, textualmente, que o surgimento da doença na segurada é consequência das atividades laborais desenvolvidas por ela.

Conforme o STJ, a Lei 8.213/91 — referente à concessão de auxílio-doença acidentário — estabelece, para ser concedido o auxílio-acidente, a necessidade de que o segurado empregado (exceto o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial) tenha redução permanente da sua capacidade laborativa em função de acidente de qualquer natureza. A mesma lei também considera, em seu artigo 20, como acidente de trabalho “a doença profissional, proveniente do exercício do trabalho peculiar a determinada atividade”.

Fonte: Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça - REsp 798.913

domingo, 7 de fevereiro de 2010

PIS e COFINS nas faturas de telefonia e eletricidade.

Novamente o consumidor está sendo lesado, desta vez pelas companhias telefônicas e de energia elétrica, que vêm embutindo mais dois tributos junto às faturas de consumo mensais, de forma ilegal, inconstitucional e desleal: o PIS e a Cofins.

É regra geral de qualquer tributo a previsão do seu fato gerador, de sua base de cálculo e do seu sujeito passivo. No caso do PIS e da Cofins, por expressa disposição legal (Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03), são as prestadoras do serviço as responsáveis pelo seu recolhimento.

O fato gerador do PIS e da Cofins é a apuração do faturamento, enquanto que a base de cálculo é o próprio faturamento da empresa. Cobrando os tributos diretamente do consumidor, além de alterar seu sujeito passivo, as companhias estão alterando a base de cálculo para o preço do serviço prestado e o fato gerador para o momento da prestação do serviço, o que lhes é vedado, haja vista não possuírem poder para alterar a legislação.

Assim agindo, as companhias repassam tributos de suas responsabilidades diretamente ao consumidor, valendo-se de sua "fraqueza ou ignorância", como refere o Código de Defesa do Consumidor. E, dessa forma, as companhias acabam por praticar valores superiores aos anunciados.

O que essas companhias vêm praticando, para que todos entendam, é, grosso modo, o mesmo que a seguinte situação hipotética: imaginemos um cidadão que queira comprar um pão cujo preço divulgado é de R$ 2,00. Para pagar, saca uma nota de R$ 2,00 e entrega ao atendente, no entanto o mesmo o adverte informando que está faltando dinheiro, pois sobre aquele valor ainda incidiria o IRPJ, a CSSL, o ICMS. e etc...

Ora! Ao praticar o preço de qualquer bem ou serviço, a empresa ou o profissional já o calcula prevendo a incidência dos tributos pertinentes bem como a margem de lucro. E isso é assim desde antes da origem da moeda, na época do escambo! O que as companhias têm alegado, em suma, é que não há embutimento, mas a "repercussão econômica" dos tributos.

Convenhamos, mas esse argumento não merece guarida. As companhias telefônicas e de energia elétrica possuem mecanismos previstos em lei (Lei de Concessões de Serviços Públicos, nº 8.987/95, Lei de Serviços de Telecomunicações, nº 9.472/97 e Lei de Serviços de Energia Elétrica, nº 9.427/96) para a revisão dos preços praticados, e a partir daí podem os readequar. O que não se pode admitir é que o valor divulgado pelo serviço não seja o praticado, cobrando diretamente do consumidor tributos dos quais o mesmo não é contribuinte, subvertendo a ocorrência do fato gerador e da base de cálculo do tributo.

O posicionamento jurisprudencial a respeito ainda oscila e está longe de ser pacificado. O que tem se visto tanto nos julgados singulares quanto nos colegiados, é o evidente receio de nova avalanche de ações. Esse o motivo pelo qual alguns magistrados acabam por entender improcedente as ações que buscam a repetição desses valores pagos a maior, na clara tentativa de brecar o ingresso de novas demandas.

Assim se comportando, está o judiciário adotando flagrante caminho inverso para a redução das querelas: tivesse o mesmo postura mais rígida (indenizações por danos morais mais vultosas como incentivo à não-reiteração de prática de ilícitos, por exemplo), atingiríamos o tão desejado desafogo do judiciário, mas por conta da redução de danos causados ao consumidor e não em razão de uma mitigação de direitos.

Trata-se de mais um golpe no consumidor cuja discussão urge ser acesa.



MARTINS, Eduardo Antônio Kremer. PIS e COFINS nas faturas de telefonia e eletricidade. Mais um golpe no consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2412, 7 fev. 2010.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

STF aprova Súmula Vinculante sobre ISS e decide rever a que trata de ICMS

O Supremo Tribunal Federal decidiu suspender a publicação da nova Súmula Vinculante que receberia o número 30. Ela trata da retenção, pelos estados, de parcela do ICMS destinada aos municípios. A publicação foi suspensa para uma melhor análise, após uma questão de ordem levantada pelo ministro Dias Toffol.

Isso porque a proposta de redação aprovada nessa quarta-feira (3/2) restringia a inconstitucionalidade à lei estadual que, a título de incentivo fiscal, retém parcela do ICMS que seria destinada aos municípios. O ministro Dias Toffoli verificou que há precedentes envolvendo outra situação, que não especificamente o incentivo fiscal.

Trata-se de uma lei estadual dispondo sobre processo administrativo fiscal de cobrança e compensação de crédito/débito do particular com estado. No caso em questão, houve uma dação em pagamento, em que foram dados bens que não foram repartidos com o município. Assim, os ministros vão se reunir novamente para discutir o tema e apontar a solução.

Na mesma sessão, os ministros aprovaram a Súmula Vinculante 35, encaminhada pelo ministro Joaquim Barbosa. Ficou definida a não incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. O texto da nova súmula foi aprovado por unanimidade dos ministros e tem a seguinte redação: "É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre operações de locação de bens móveis".

Fonte: Revista Consultor Jurídico.

Fraudes pela internet justificam prisão preventiva

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, manteve a prisão preventiva de Pedro Cezar Bessani Filho, acusado de liderar uma quadrilha de fraudes pela internet que provocou prejuízos de mais de R$ 300 mil a pelo menos 50 pessoas, em sete estados brasileiros. O grupo atuava principalmente no Paraná e Santa Catarina e foi preso em setembro passado, depois de denúncias de que compras via internet não vinham sendo entregues.

O STJ acolheu o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), que também havia negado liminar para revogação da prisão do acusado, diante da evidência de indícios de autoria e materialidade, além da "ousadia e forma como foi praticado o delito". Aponta o acórdão, ainda, a "habitualidade na conduta criminosa do agente, contabilizando mensalmente diversas vítimas, ludibriadas pelo golpe".

"Não obstante o crime capitulado - Estelionato - seja sem o emprego da violência física, é inegável seu reflexo negativo perante a ordem pública, pois atingiu direta e indiretamente diversas pessoas que tiveram seus bens jurídicos lesados, mediante engodo premeditado", assinala Cesar Rocha.

Nessa linha de raciocínio, salientou que "a preservação da ordem pública não se restringe às medidas preventivas da irrupção de conflitos e tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinquência".

A quadrilha, supostamente liderada por Bessani, fraudava sites de vendas pela internet e oferecia aparelhos eletrônicos a preços extremamente convidativos. Após a "venda", ou seja, depois de conseguirem com que o interessado depositasse o preço solicitado em contas de elementos da quadrilha, o dinheiro era levantado e a mercadoria não era entregue.

A alegação da defesa de que "caso o paciente venha a ser condenado o quantum da pena implicará em regime aberto ou até mesmo ser beneficiado com o sursis", segundo Cesar Rocha, não comporta análise neste momento. "Cumpre destacar que a pena máxima para o crime de estelionato é de cinco anos de reclusão e para o de quadrilha é de três anos. Portanto, não se pode saber previamente, em eventual caso de condenação, a pena e regime aplicado pelos fatos a serem narrados na denúncia, inclusive em razão da evidência da habitualidade criminosa que agrava o tratamento penal dado ao infrator" - assinalou o presidente do STJ.



Coordenadoria de Editoria e Imprensa

A Internet como instrumento político livre e restrito

Numa primeira análise, o tema sugere expressões antagônicas ao afirmar uma plena liberdade e, simultaneamente, supostas restrições no âmbito da internet.

Entretanto, o que se propõe é uma “liberdade regulada” num espaço sujeito a imensuráveis transmissões de dados em tempo real e que dificulta qualquer espécie de intervenção prévia no conteúdo veiculado.

Particularmente no que tange a concisa reforma política aprovada pelo Congresso Nacional e aos vetos presidenciais permissivos a realização de debates eleitorais na internet, há de se refletir acerca da pertinência dessa medida sob o pálio do Estado Democrático de Direito.

Na atualidade, é irrefutável que a internet é um dos principais meios de comunicação entre os candidatos e seus potenciais eleitores, que permite a livre manifestação do pensamento sem as restrições das propagandas eleitorais transmitidas pelas emissoras televisivas de canal aberto e de rádio.

A dimensão de eleitores que a rede atinge somente democratiza o processo eleitoral e estimula uma maior aproximação e, por conseguinte, interação entre os partidos políticos e os cidadãos, bem como a participação popular no panorama do Poder Executivo e Legislativo.
A ampla proliferação de plataformas e projetos políticos fomenta os valores democráticos e afasta a submissão aos critérios jornalísticos e, sobretudo, viabiliza o tratamento isonômico tão mitigado no espaço reservado na televisão e no rádio.

Impor qualquer óbice ao debate político em qualquer meio e especificamente na internet, consiste num efetivo atentado às conquistas obtidas após demasiado período de governos tiranos, autoritários e de censura.

Há de se admitir que o avanço tecnológico é um relevante aliado da política e não uma ferramenta submetida a controle e a regras despóticas e que só nos remetem ao lamentável cenário histórico ditatorial.

A exposição de idéias políticas, desde que transmitidas em fontes confiáveis e que permitam constatar veracidade do teor, é prática habitual e que merece guarida em nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, as normas atinentes a liberdade de expressão ditadas pelas emissoras de radiodifusão não podem ser as mesmas aplicáveis à internet, vez que se trata de territórios distintos e incompatíveis por diversos fatores.

A contenda eleitoral em “meios alternativos” também minimizaria, gradativamente, o monopólio exercido por muitas emissoras de televisão, que descaradamente demonstram-se partidárias a um determinado candidato, expondo-o da forma que melhor lhe convém e, com isso, influenciando a formação da opinião do cidadão político e até mesmo seu voto.

É notório que muitos programas jornalísticos entrevistam candidatos e os indagam com perguntas prontas e muitas vezes “manipulam” sua resposta, inviabilizando o aprofundamento do assunto em discussão, além de limitar o tempo de resposta e réplica ao questionamento.

Ao contrário, na internet não há interrogatórios subvertidos, mas sim um abrangente espaço que possibilita a narrativa sem lapso temporal e restrição temática. Ainda, propicia uma maior repercussão do que for publicado e respectiva oportunidade de manifestação de qualquer pessoa que se sentir lesada, sujeitando ao princípio do contraditório e da ampla defesa e, assim, observância de um devido processo legal.

O sufrágio universal é um direito arduamente conquistado e que deve ser resguardado, possibilitando que a mensagem dos nossos futuros representantes seja, de fato, transparente e comunicada com a verdadeira intenção daquele que a propugna.

Destarte, restringir o conteúdo dos entraves políticos na internet apenas suscita mais polêmicas. Por isso, quaisquer limitações ao legítimo exercício do direito de exteriorização do pensamento constituem-se ações arbitrárias e sem fundamento constitucional, devendo ser repelida pelos cidadãos conscientes de seu papel no processo democrático.

Fonte: site - www.jurisway.org.br, autoria (Andréia Botti Azevedo).

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

STF volta a discutir quem julga trabalho escravo

O Supremo Tribunal Federal está discutindo se cabe à Justiça Federal ou à Justiça Estadual julgar o crime de exploração de trabalho escravo. A jurisprudência da corte é no sentido de que o crime deve ser julgado pela Justiça Federal, mas nesta quinta-feira (4/2), o ministro Cezar Peluso propôs que esse entendimento seja revisto e que o delito passe a ser julgado pela Justiça Estadual. Em novembro de 2006, ele defendeu esse mesmo ponto de vista no julgamento do Recurso Extraordinário 398.041, sobre um caso de crime de exploração de trabalho escravo no Pará. Na ocasião, ficou vencido, junto com os ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, já aposentado.

Nesta quinta, após o voto de Peluso, o ministro Dias Toffoli posicionou-se pela manutenção da jurisprudência. O julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Não há previsão de data para o processo voltar a ser analisado no Plenário.

A matéria está sendo discutida por meio de um Recurso Extraordinário de relatoria de Peluso, em que o Ministério Público Federal contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que remeteu para a Justiça Estadual de Vera (MT) denúncia de trabalho escravo na Fazenda Jaboticabal. O TRF-1 afastou a aplicação do artigo 109 (inciso VI) da Constituição Federal, que trata da competência da Justiça Federal, ao considerar que os crimes cometidos contra um grupo de trabalhadores não ofendem o sistema de órgãos ou instituições que preservam, de modo coletivo, os direitos e deveres dos trabalhadores.

O dispositivo constitucional determina que cabe à Justiça Federal processar e julgar “os crimes contra a organização do trabalho”. O inciso IV do artigo 109 da Constituição remete à Justiça Federal “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas”.

O ministro Cezar Peluso iniciou seu voto defendendo que o artigo 149 do Código Penal não está na categoria de crimes contra a organização do trabalho. Segundo ele, o foco do dispositivo penal “é o ser humano considerado em si mesmo, na sua liberdade imanente de sujeito de direito, cuja dignidade não tolera que seja reduzido à objeto”, e não o “interesse estatal no resguardo da organização do trabalho”. Ele lembrou, inclusive, que o crime de redução à condição análoga à de escravo foi incluído na parte do Código Penal que trata dos crimes contra a liberdade individual e contra a liberdade pessoal, e não no capítulo que trata dos crimes contra a organização do trabalho.

Para Peluso, não é o caso de se aplicar a esse delito o inciso IV do artigo 109 da Constituição, que define a competência da Justiça Federal, porque, para a incidência desse preceito, o interesse da União tem de ser direto e específico. “A organização administrativa composta por essa variedade de órgãos [federais], todos eles com o propósito mais relevante de libertar essas pessoas reduzidas à condição análoga à condição de escravo não está em jogo, não foi ofendida, não é objeto do artigo 149 do Código Penal”, ponderou Peluso.

Ele ressaltou que reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar esse tipo de crime retira o que há de mais fundamental no artigo 149 do Código Penal. “A norma se destina a proteger a dignidade do homem, e não nenhuma organização administrativa, organização de trabalho ou organização de outra coisa qualquer. O que está em jogo aqui, como diz especificamente a qualificação do Código Penal, é a liberdade individual, a liberdade pessoal como um elemento marcante e imanente da dignidade do ser humano.”

Justiça Federal
O ministro Dias Toffoli discordou. Para ele, “ao atingir a dignidade do indivíduo, há [no crime] uma afronta também à organização do trabalho”. Ele votou pela aplicação do inciso 6º do artigo 109 da Constituição Federal, ou seja, pela competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes de redução à condição análoga à de escravo. O ministro citou dispositivos constitucionais que visam exatamente “proteger a pessoa humana e o trabalhador da usurpação da sua força de trabalho”. “É obrigação do Estado, na sua organização social e trabalhista, proteger a atividade laboral do trabalhador”, acrescentou.

Ele ponderou que o crime de trabalho escravo é de investigação e fiscalização complexas, em que órgãos de Estado têm de atuar de maneira conjunta. “É uma vergonha para a nação brasileira, no cenário internacional, quando surge uma denúncia e uma verificação de que no Brasil ainda existem crimes de escravidão”, disse. “É necessário, portanto, sem dúvida nenhuma, a competência do Ministério Público da União, através de forças que sejam supraestaduais, no combate desse crime tão perverso contra a humanidade e que, portanto, também atinge a organização social do trabalho, que é a liberdade do trabalhador vender a sua força de trabalho dentro dos parâmetros legais.” Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 459.510