"Não deixes de fazer o bem a quem o merece, estando em tuas mãos a capacidade de fazê-lo"



terça-feira, 13 de abril de 2010

Sucessão concorrencial no âmbito do casamento

O Direito Civil é ramificação do direito privado que tem por objeto regular todas as relações jurídicas das pessoas, seja de umas para com as outras, seja das pessoas em relação às coisas, abrangendo, outrossim, as relações obrigacionais e familiares.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, "o direito civil é vocacionado ao estudo das normas jurídicas pertinentes às relações privadas entre pessoas. Sob a influência do racionalismo ocidental, alguns povos procuraram concentrar, em grandes diplomas jurídicos denominados ‘código civil’, pretensamente todas as regras disciplinares dos conflitos de interesse privado."

O direito das sucessões é ramo do direito civil que dita as regras que serão aplicadas em caso de falecimento no que atina à transferência dos bens deixados pelo de cujus, também chamado autor da herança.

Como bem leciona Jorge Shiguemitsu Fujita, "direito das sucessões é o conjunto de regras jurídicas que regem a substituição de uma pessoa na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de outra pessoa, em virtude da morte desta, havendo a transferência da herança ou do legado, ao herdeiro ou ao legatário, seja por força de lei, seja em virtude de testamento ou de disposição de última vontade."

Para Carlos Roberto Gonçalves, o "referido ramo de direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança para seus sucessores."

Tais regras têm por finalidade, noutros dizeres, estipular as diretrizes que estabelecerão quem serão os herdeiros do morto, sejam legítimos, testamentários ou legatários, e o quinhão ou o bem que será deferido a tais herdeiros.

Importante mencionar, desde logo, que há, em nossa legislação, duas espécies de sucessão: a legítima e testamentária.

Em parcas palavras, a primeira prevê as regras aplicáveis caso o autor da herança não tenha deixado testamento. Aplica-se, neste caso, a disciplina que exsurge da incidência do Código Civil.

Jorge Shiguemitsu Fujita conceitua sucessão legítima como "aquela que resulta da lei, quando a pessoa falecer sem deixar testamento, ou quando a pessoa falecida deixar bens que não estiverem compreendidos no testamento, ou quando houver casos de ausência, de nulidade, de anulabilidade, de caducidade, revogação ou rompimento de testamento."

A sucessão testamentária, de seu turno, caracteriza-se pela derradeira manifestação volitiva, antecipando-se e sobrepondo-se esta à Lei, de tal sorte que existindo testamento será inicialmente observada a vontade do testador (autor da herança) para que, subsidiariamente, se necessário for, incida a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1829 do Código Civil.

No que atina aos testamentos Arnoldo Wald aduz que "o testamento era definido pelo Código Civil brasileiro de 1916 no art. 1626 como o ‘ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio, para depois de sua morte’. A inspiração do legislador de 1916 foi o art. 895 do Código Civil francês, a despeito de considerar inconveniente que a lei apresente a definição de determinado instituto jurídico, sendo tal tarefa atribuída à doutrina. O Código Civil de 2002, diversamente do que aconteceu em 1916, não apresenta uma definição de testamento, deixando expresso, apenas, que toda pessoa capaz pode dispor em testamento, ressalvadas as disposições existentes (art. 1857, caput)."

Nesse estudo ater-nos-emos à aplicabilidade do Código Civil, ou seja, à sucessão legítima prevista no artigo 1829, em detrimento da análise das regras sucessórias que têm lugar quando o de cujus deixa testamento, haja vista que a sucessão testamentária não admite concorrência, matéria que constitui alvo deste artigo.

ESCORÇO SOBRE REGIME DE BENS

Para que discorramos sobre sucessão concorrencial, torna-se mister discursar sobre os regimes de bens previstos no Código Civil e as regras gerais que a eles concernem.

Há na sistemática do vigente Código Civil quatro regimes de casamento. Vejamos.

Comunhão parcial de bens: trata-se de regime oficial desde 1977, em razão da promulgação e entrada em vigor da Lei 6.515/77, lei esta que alterou o vetusto e então vigente Código Civil de 1916 que previa como oficial o regime da comunhão universal de bens.

Diz-se regime oficial porque aos nubentes, via de regra, é concedido o direito de escolha do regime de casamento mediante a subscrição de instrumento público de pacto antenupcial, sendo certo que o silêncio ou eventual vício que macule o pacto implicará na aceitação do regime oficial.

Silvio Rodrigues, citado por Maria Helena Diniz, afirma que o regime da comunhão parcial é "aquele que, basicamente, exclui da comunhão os bens que os consortes possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, e que inclui na comunhão os bens adquiridos posteriormente."

Dispõe esse regime que farão parte da comunhão os bens adquiridos a título oneroso na constância da união.

Os bens que cada cônjuge possuía antes de casar continuam a lhes pertencer única e exclusivamente, não fazendo, pois, parte da comunhão. Recebem estes bens a denominação de particulares. Além disso, também são considerados particulares os bens que sobrevierem ao casamento e que forem adquiridos a título gratuito e de forma isolada por cada cônjuge, como, v.g., por meio de doação ou herança.

No mais, também mantém a condição de bens particulares aqueles que forem adquiridos em sub-rogação aos particulares alienados. Nesse viés, caso um dos cônjuges aliene bem particular e, substituindo-o, adquirida outro, este último, embora adquirido na constância do casamento e de forma onerosa, manterá a qualidade de particular.

Em escorço, integram a comunhão os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento, na exata medida em que os que sobrevierem ao casamento a título gratuito pertencerão exclusivamente ao cônjuge que os recebeu, assim como os que cada cônjuge possuía antes de casar, sem prejuízo daqueles que substituírem os que eventualmente forem alienados. Atribui-se a tais bens, repisando, a denominação de particulares.

No que toca à alienação de bens, é importante mencionar que será necessária, com a ressalva do art. 1648 do CC, a assinatura de ambos dos cônjuges visando à validade do ato, porquanto é inválida a alienação de imóveis feita apenas por um dos nubentes sem a autorização do outro. É a denominada outorga conjugal.

Comunhão universal de bens: Nesse regime há inconcussa e ilimitada reunião patrimonial. Todos os bens, sejam presentes ou futuros, ou seja, tenham sido adquiridos antes ou depois do casamento, independentemente da aquisição ter se dado de forma onerosa ou gratuita, pertencerão, por expressa disposição legal, ao casal em comunhão. Tal comunhão acaba "constituindo uma massa única indivisa, tendo cada cônjuge a metade ideal desse patrimônio."

Maria Helena Diniz, no mesmo sentido, ressalta que "instaura-se o estado de indivisão, passando a ter cada cônjuge o direito à metade ideal do patrimônio comum."

Há, desta feita, a somatória de todos os bens que constituirá um todo único, não havendo que se falar nesse regime em bens particulares.

Em caráter de excepcionalidade, serão excluídos da reunião patrimonial os bens doados a um dos cônjuges ou por eles herdados com cláusula de inalienabilidade e os sub-rogados em seus lugares, os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário enquanto não implementada a condição suspensiva, as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade, bem como os livros, os bens de uso pessoal e os instrumentos atrelados à profissão, os proventos do trabalho e as pensões, meios-soldos ou montepios.

Considerando tal assertiva, em atos de alienação de bens imóveis será sempre necessária a outorga conjugal.

Separação: cinde-se o regime da separação em separação obrigatória e separação convencional.

Tanto num como noutro caso, consoante bem acentua Paulo Lôbo, "os bens de cada cônjuge, independentemente da sua origem ou da data de sua aquisição, compõem patrimônio particulares e separados, com respectivos ativos e passivos. Não há convivência com patrimônio comum nem participação nos aquestos. Caracteriza-se, justamente, pela ausência de massa comum."

Separação obrigatória é o regime imposto pela Lei em certos casos, tanto que "não cabe aos nubentes o direito de estabelecer a comunicabilidade de bens por meio de pacto antenupcial, o qual restará, integralmente, nulo e, portanto, sem efeito algum.

As hipóteses que ensejam a imposição de tal regime estão previstas no artigo 1641 do Código Civil. Veja-se.

É imposto o regime da separação quando: a) um dos nubentes contar com 60 (sessenta) anos ou mais na data do casamento, sendo certo que basta que apenas um dos cônjuges seja sexagenário, pois ainda que um dos nubentes conte com menos de sessenta anos a escolha do regime será obstaculizada; b) for necessário o suprimento judicial, seja de idade, seja de consentimento. Melhor explicando, sendo necessário o suprimento de idade em razão da realização de matrimônio por quem não alcançou a idade núbil – dezesseis anos – ou mostrando-se imperioso o suprimento de consentimento caso os representantes do menor púbere neguem-se a concedê-lo, será imposto o regime da separação; e c) o casamento for realizado com inobservância das causas suspensivas previstas no artigo 1523, CC.

Vale consignar que, no caso acima, por se tratar de regime imposto pela legislação, o pacto antenupcial é prescindível.

Separação convencional, por sua vez, é o regime escolhido pelas partes por meio da lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Nesse regime cada cônjuge terá patrimônio exclusivo, não havendo nenhuma comunicação patrimonial. Os bens são individuais e não constituirão patrimônio comum.

Carlos Roberto Gonçalves assevera que, "no regime da separação convencional, cada cônjuge conserva a plena propriedade, a integral administração e a fruição de seus próprios bens, podendo aliená-los e gravá-los de ônus real livremente, sejam móveis ou imóveis."

Por tais razões, nesse regime cada cônjuge poderá livremente dispor de seu patrimônio sem que seja necessária a anuência do outro, sendo esta a ideia que emerge do artigo 1647 do Código Civil.

Participação final nos aquestos: esse regime é conhecido como híbrido. Por um singelo motivo. Na constância do casamento as regras que vigoram são as que atinam ao regime da separação, ou seja, cada cônjuge administrará e alienará isoladamente os bens que possuir. Após o término da relação, que se dará pela invalidação do casamento, pela separação ou pelo divórcio legais ou pela morte, serão levadas em conta as regras que se atrelam ao regime da comunhão parcial na exata medida em que serão alvo de partilha os bens adquiridos na constância união a título oneroso.

Em tal regime "cada cônjuge possui patrimônio próprio, com direito, como visto, à época da dissolução da sociedade conjugal, à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento."

Paulo Lôbo, por sua vez, aprofundando-se mais, destaca que "de modo geral, os bens adquiridos antes ou após o casamento constituem patrimônio particulares dos cônjuges, da mesma forma que as dívidas que cada um contrai, mas, na dissolução da sociedade conjugal, os bens são considerados segundo o modelo da comunhão parcial."

O sobredito autor, dando vazão à mesma linha reflexiva, continua dizendo que "enquanto não houver a dissolução do casamento não se cogita de comunhão de bens, ainda que parcial. Há uma expectativa de direito, que será constituído no momento em que a sociedade conjugal chegar ao fim."

Arnoldo Wald, de forma mais concisa, mas não menos esclarecedora, aduz que "trata-se de novo regime introduzido pelo Código Civil de 2002, regime este em que cada cônjuge, durante o casamento, mantém patrimônio próprio, mas, à época da dissolução da sociedade conjugal, passa a ter direito à metade de todos os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do matrimônio."

Nesse regime é prescindível a manifestação do outro cônjuge em caso de alienação de bens, desde que os cônjuges tenham previsto expressamente tal desnecessidade no pacto antenupcial que, em singelas linhas, é o instrumento público utilizado pelos cônjuges para a escolha do regime de casamento que não seja o oficial – comunhão parcial de bens – ou o obrigatório – separação obrigatória.

Se não houver previsão expressa e escrita, a subscrição de ambos os cônjuges em atos de alienação patrimonial ou gravação com ônus real será obrigatória.


ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

De acordo com esclarecedores ensinamentos de Jorge Shiguemitsu Fujita a "ordem de vocação hereditária é o rol, fixado por lei, dos herdeiros a serem chamados na hipótese de uma pessoa vir a falecer sem deixar testamento (ab intestato). Ou seja, é a ordem legal de herdeiros na sucessão legítima."


Como já assinalado, a vontade do testador prevalecerá em detrimento da vontade da Lei. Sob esse prisma, repetimos, a sucessão legítima, que é a que da Lei decorre, só terá lugar quando o de cujus não tiver deixado testamento ou quando a Lei for subsidiariamente aplicável.

Dessarte, quando não houver testamento ou quando este disser respeito apenas à metade da herança, chamada parte disponível, será aplicada a regra de sucessão legal prevista no artigo 1829 do Código Civil.

Abrimos, nesse ponto, necessários parênteses para traçar estreitas palavras sobre graus de parentesco.

Em primeiro lugar, importante mencionar que parentes são pessoas com as quais mantemos vínculo, seja consanguíneo, seja civil (decorrente de adoção) ou por afinidade.

Jorge Shiguemitsu Fujita afirma que "parentesco consanguíneo ou natural é o vínculo que une as pessoas que descendem umas das outras, na relação de ascendentes e descendentes ou de um mesmo tronco comum, sem descenderem uma da outra."

Maria Helena Diniz, melhor elucidando a relação parental por afinidade, ensina que afim é "o liame jurídico estabelecido entre um consorte, companheiro e os parentes, consanguíneos ou civis, do outro nos limites estabelecidos na lei, desde que decorra de matrimônio válido, e união estável (CF/88, art. 226, §3°), pois concubinato impuro ou casamento putativo não têm segundo alguns autores o condão de gerar afinidade na linha reta, apesar de já haver julgados (RF, 102:155) em sentido contrário, o mesmo se diga do disposto no arti. 1.595, § 2°, do novel Código Civil."

Vale assinalar que à luz do que dispõe o artigo 1.595, § 1°, do Código Civil, os parentes por afinidade limitam-se aos ascendentes, aos descendestes e aos colaterais até o segundo grau do cônjuge ou companheiro, de tal sorte que os parentes destes últimos em grau superior ao segundo não serão considerados afins do consorte.

Deve-se, após, estabelecer a pessoa que será a base da árvore parental. No caso, o autor da herança, chamado também, repisando, de de cujus.

Ao depois, deve-se traçar a linha reta (descendente e ascendente), a linha colateral, também chamada oblíqua ou transversal e, por fim, a linha por afinidade, em que se localizam os parentes agregados que são, a bem da verdade, os parentes consanguíneos ou civis do cônjuge ou companheiro e que, por força do casamento ou da união estável, respectivamente, passam a ser considerados parentes do consorte por afinidade.

Impende destacar, ademais, que de acordo com o Código Civil nem o cônjuge e tampouco o companheiro são considerados parentes. Nesse passo, obtempera Arnoldo Wald que "marido e mulher não são parentes, por não descenderem de um antepassado comum."

Na linha reta ascendente ou descendente leva-se em consideração para a contagem de grau o número de gerações, de tal sorte que os pais e os filhos são parentes em primeiro grau, os avós e os netos em segundo, os bisavós e os bisnetos em terceiro, os trisavós e os trinetos em quarto e assim sucessivamente, não se podendo olvidar que na linha reta a contagem é infinita.

No que diz respeito à linha transversal, importante dizer que para se alcançar o grau de parentesco existente com os colaterais é necessário que encontremos na linha reta ascendente o parente de quem descendem tanto pessoa que serve de base da árvore parental quanto o colateral.

Nesse viés, para se chegar à conclusão de que os tios são parentes em terceiro grau na linha oblíqua deve-se desenvolver o seguinte raciocínio.

De antemão é necessário encontrar na linha reta o ascendente comum.

O pai do autor da herança é seu ascendente em primeiro grau na linha reta. Não é, porém, ascendente do tio, porquanto irmãos. Imperioso, pois, subir mais um grau, ou seja, chegar até avô, que ao mesmo tempo em que é ascendente em segundo grau do autor da herança é ascendente em primeiro grau do tio do morto.

Portanto, encontramos na pessoa do avô o ascendente comum. Basta, agora, que desçamos até o tio, que mantém com o avô do de cujus uma relação parental de primeiro grau. Desta feita, chegamos ao remate que os tios são parentes em terceiro, pois levando em consideração que o mais próximo ascendente comum mantém com o morto relação de segundo grau na linha reta ascendente, basta que se desça um grau para se chegar ao tio, confirmando, pois, a existência de relação parental em terceiro grau.

Cerramos os parênteses, partindo da premissa de que o cronograma e os exemplos acima, somados, encerram quaisquer dúvidas acerca da contagem de grau de parentesco, elementar indispensável para que possamos alcançar o cerne deste estudo.

Dispõe o artigo 1829 do Código Civil que a sucessão legítima será deferida na seguinte ordem:

I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III- ao cônjuge sobrevivente;

IV- aos colaterais.

A ordem sobredita é excludente, de tal sorte que a existência de qualquer descendente, ressaltando que a contagem de grau, neste aspecto, é infinita, veda a transmissibilidade da herança aos ascendentes do falecido. Nesse sentido, obtempera Jorge Shiguemitsu Fujita que "na sucessão legítima, uma classe de herdeiros somente será chamada, quando não houver herdeiros da classe precedente."

Significa dizer que somente diante da total ausência de descendentes a herança será transmitida aos ascendentes do de cujus, sendo certo que na linha reta ascendente também há contagem infinita de grau.

Só diante da completa inexistência de descendentes e ascendentes a herança será integralmente transmitida ao cônjuge, independentemente do regime de casamento.

Aos colaterais somente será transmitida a herança diante da completa ausência de outros parentes suscetíveis ou do cônjuge. Assim, a herança só alcançará aos colaterais se o de cujus não deixar descendentes, ascendentes e cônjuge.

Antes de alcançar o foco deste estudo, que se encontra previsto legalmente nos incisos I e II do artigo 1829 do Código Civil, pensamos que seja necessário urdir parcos mas incisivos comentários sobre os demais incisos do aludido artigo.

Apenas por questão didática será desenvolvido o raciocínio em ordem contrária. Em primeiro plano analisaremos a sucessão na linha colateral (inciso IV, 1829), a integral transferência do patrimônio para o cônjuge supérstite (inciso III, 1829) para, ao depois, atingirmos o cerne desta exposição.

Pois bem.

A sucessão na linha colateral somente alcança os parentes até o quarto grau. Assim sendo, chegando a herança à classe dos parentes na linha oblíqua, inexistindo em tal linha parentes até o quarto grau, tornar-se-á jacente a herança.

Na classe dos colaterais os parentes de grau mais próximo excluem os de mais remoto, na exata medida em que os parentes na linha colateral em quarto grau só serão chamados à aceitação da herança caso não existam descendentes, ascendentes, cônjuge e parentes na linha colateral de segundo e terceiro grau.

Alcançando a herança os parentes de quarto grau na linha transversal, posição em que se encontram os tios-avós, os primos e os sobrinhos netos, receberão todos em partes iguais e de acordo com o número de pessoas, sem, portanto, nenhuma divergência de quinhões.

Como se situam em mesmo grau e "como não existe representação, sucedem por direito próprio, herdando todos igualmente, sem qualquer distinção."

Havendo herdeiros colaterais em terceiro grau receberão estes a herança em detrimento dos de quarto grau. Situam-se na condição de colaterais em terceiro grau os tios e os sobrinhos.

Nesse aspecto são necessárias algumas linhas a mais, pois é importante mencionar desde logo que diferentemente do que ocorre na sucessão dos colaterais de quarto grau, concorrendo à herança sobrinhos com tios, ambos, repisando, parentes em terceiro grau, aqueles preferirão a estes.

Noutros dizeres, concorrendo à herança do morto sobrinhos com tios os primeiros serão detentores de prioridade na vocação hereditária, pois malgrado não haja diferença de grau e a despeito da cláusula segundo a qual proximior excludit remotiorem, receberão os sobrinhos na qualidade de representantes dos irmãos do de cujus, seus parentes em segundo grau.

Desta feita, os sobrinhos do falecido receberão na condição de representante do pai pré-morto, irmão do autor da herança, em detrimento do direito sucessório dos tios do falecido, aplicando-se, pois, a regra que emerge do artigo 1840 do Código Civil.

Assim, somente diante da inexistência de descendentes, ascendentes, cônjuge, irmãos e sobrinhos, estes últimos colaterais em terceiro grau, recepcionarão a herança os tios, também parentes em terceiro grau na linha oblíqua.

Visando a pôr fim à análise da sucessão na linha transversal impende discorrer, atendo-se à sistemática utilizada neste estudo – ordem contrária de análise do artigo 1829, CC – sobre a sucessão colateral em segundo grau.

Vigora, na classe dos colaterais, com exceção da mitigação sobredita, a cláusula segundo a qual na linha oblíqua os parentes de grau mais próximo excluem os de mais remoto.

Sob este prisma é possível asseverar que na linha colateral os irmãos serão os primeiros a serem avocados para a percepção da herança, destacando novamente que os irmãos, colaterais que são, somente serão atraídos para o recebimento da herança diante da completa ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge.

Sobressaem algumas regras peculiares no caso de transmissibilidade da herança aos irmãos de seu autor, merecendo saliência aquela que se denota do artigo 1841 do Código Civil que, em parcas palavras, dispõe que havendo concorrência entre irmãos germanos e unilaterais cada um destes herdará a metade do que a cada um daqueles for deferida.

Com o costumeiro acerto e a usual abstenção à prolixidade obtempera Arnoldo Wald que "se os irmãos, pois, concorrerem pessoalmente, herdam por direito próprio com partilha por cabeça. Se os irmãos pré-falecidos estão representados por seus filhos, havendo ainda irmãos vivos, dividir-se-á a herança por estirpe. Havendo irmãos bilaterais e unilaterais, os primeiros receberão o dobro dos segundos. Não concorrendo irmãos bilaterais, os unilaterais dividirão a herança entre si igualmente e por cabeça."

Destarte, como vimos alhures, os irmãos bilaterais ou germanos terão direito à percepção do dobro da herança que couber aos unilaterais, máxime em virtude do duplo vínculo de consanguinidade que os unia ao falecido, em detrimento do vínculo singularizado que atava o morto aos seus irmãos unilaterais.

Por fim, transcendida a análise da sucessão na linha transversal, destacando desde logo que foram preteridas minúcias, convém, antes de atingir a essência desta reflexão, estudar a passos largos o inciso terceiro do artigo 1829 do Código Civil que outorga a integralidade da herança ao cônjuge supérstite.

Neste diapasão, urge frisar que aberta a sucessão, não havendo descendentes e ascendentes, nos exatos termos do artigo supra mencionado a herança será integralmente transmitida ao cônjuge supérstite, em detrimento do direito sucessório que aos colaterais assiste.

A este respeito bem ponderam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao lecionarem que "na falta de descendentes e de ascendentes do morto, e não estando o cônjuge sobrevivente sujeito às restrições do CC 1830, ser-lhe-á deferida a sucessão por inteiro (CC 1838). O cônjuge sobrevivente herda, na hipótese do CC 1829 III, independentemente do regime de bens de seu casamento com o de cujus, nas condições estabelecidas no CC 1830."

A este respeito o professor Jorge Shiguemitsu Fujita desenvolve importante raciocínio, ponderando que "para que o cônjuge sobrevivente tenha direito à sucessão, impõe-se que não esteja separado judicialmente ou separado de fato por lapso temporal equivalente ou superior a 2 (dois) anos, por ocasião do falecimento do de cujus. Exige-se, desta maneira, a manutenção da sociedade conjugal."

Significa dizer que mesmo se o casamento tiver sido realizado no regime da separação obrigatória o cônjuge supérstite, inexistindo descendentes e ascendentes, receberá a integralidade da herança, conquanto não seja titular de meação observando as mesmas regras do dito regime de bens, desde que, como já enunciado, não esteja separado legalmente – judicial ou extrajudicialmente – do morto ou separado faticamente por período suficiente – dois anos – para a decretação do divórcio direto.


MEAÇÃO E HERANÇA

Antes de efetivamente adentrarmos no cerne deste estudo, consideramos necessária a singela exposição sobre a dissintonia entre meação e herança.

Meação é regra de partilha que se origina do Direito de Família, braço do Direito Civil tal como o das Sucessões. Traduz-se, a bem da verdade, na parte a que fará jus o cônjuge ou companheiro em razão da aplicabilidade das regras que atinam aos regimes matrimoniais. Sob este olhar, v.g., podemos dizer que a metade de todo o patrimônio unificado após a realização do casamento no regime da comunhão universal pertence em iguais quinhões a cada um dos cônjuges, independentemente do óbito de qualquer deles.

Herança, por sua vez, é oriunda do Direito Sucessório. No sentir de Arnoldo Wald "a herança é, pois, o conjunto de bens, direitos e deveres patrimoniais, ou seja, a universalidade das relações jurídicas de caráter patrimonial em que o falecido era sujeito ativo ou passivo."

Meação é a parte do acervo patrimonial a que fará jus o cônjuge sobrevivente quando da partilha de bens. Essa quota parte, conforme alusão sobredita, tem natureza no direito de família e liga-se estreitamente ao regime de bens eleito pelos cônjuges. Meação é, em linhas gerais, parte do patrimônio que o cônjuge ajudou a construir.

No regime da comunhão parcial o cônjuge supérstite fará jus, por força das regras que concernem a tal regime, à metade dos bens adquiridos na constância da união de forma onerosa, porquanto da aquisição de tais bens o sobrevivente participou. É ele, portanto, meeiro.

No da comunhão universal, considerada a regra no sentido de que todos os bens dos cônjuges serão somados e constituirão um todo único, também fará o cônjuge supérstite jus à metade de todo o acervo patrimonial, tenham os bens sido adquiridos antes ou depois do casamento, seja de forma gratuita ou onerosa, excepcionados os casos mencionados outrora no bojo desta exposição.

No regime da separação não há que se falar em meação, podendo haver, quando muito, condomínio. Isso porque os cônjuges formaram patrimônio próprio, não havendo a participação do consorte.

A herança, de seu turno, decorre do Direito das Sucessões e traz consigo a ideia de que os bens do falecido serão transmitidos àqueles que pelo testador ou pela lei forem indicados, seja o cônjuge, os descendentes, os ascendentes, os colaterais ou terceiros. Via de regra os herdeiros não influíram de nenhum modo para a aquisição dos bens que constituem a herança.

Não há, assim, semelhança entre meação e herança.

Tal distinção é relevante, notadamente porque constataremos que não é possível acumular relativamente a um mesmo bem a condição de meeiro e herdeiro ao mesmo tempo no âmbito da sucessão do cônjuge com os descendentes do morto, na exata medida em que o cônjuge ou será meeiro ou herdeiro de um bem, salvo caso excepcional de sucessão concorrencial do cônjuge com os ascendentes do autor da herança, dependendo do regime de casamento.

Ratificando tal assertiva Carlos Roberto Gonçalves diz que "o cônjuge permanece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, mas passa a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido, salvo quando já tenha direito à meação em face do regime de bens do casamento. Na falta de descendentes, concorre com os ascendentes. Como herdeiro necessário, tem direito à legítima, como os descendentes e ascendentes do autor da herança (...)."


SUCESSÃO CONCORRENCIAL

O revogado Código Civil não previa a sucessão concorrencial.

O atual Código, inovando sobre o tema, passou a alçar o cônjuge à primeira classe de herdeiros, oportunidade em que concorrerá com os descendentes do morto, e à segunda classe, ocasião em que concorrerá com os ascendentes do de cujus. "Incluiu, com efeito, o cônjuge como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes e ascendentes, e não mais sendo excluído por essas classes."

Ratificando, "é de se observar que o cônjuge sobrevivente, contrariamente ao que ocorria no direito anterior, foi colocado em primeiro plano, concorrendo com os descendentes (comuns ou não) do de cujus ou com os seus ascendentes (...)."

A sucessão concorrencial, pois, conduz o cônjuge à primeira ou à segunda classe de herdeiros, descendentes e ascendentes, respectivamente, na medida em que o cônjuge terá participação conjunta com os descendentes ou com os ascendentes em relação à herança transmitida em razão da abertura da sucessão.

5.1. Sucessão concorrencial entre o cônjuge e os descendentes do de cujus

Em primeiro plano é necessário frisar que no campo da sucessão do cônjuge com os descendentes a análise do regime de bens será de rigor, pois somente em certos casos a concorrência será admitida, sendo noutros defesa.

Vejamos.

O cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes do de cujus nos regimes da separação convencional, no da participação final nos aquestos e no da comunhão parcial com bens particulares.

Essa assertiva é avalizada pelo enunciado n. 270 oriundo da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal que assim dispõe: "o art. 1829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes."

Na mesma esteira reflexiva afirma Jorge Shiguemitsu Fujita em artigo publicado pelo IASP [30] que "deste modo, haverá concorrência entre os descendentes (comuns ou exclusivos do de cujus) e o cônjuge sobrevivo, se este estava casado com o falecido por um dos seguintes regimes: a) separação convencional de bens; b) participação final nos aqüestos; e c) comunhão parcial de bens, em que o de cujus haja deixado bens particulares."

Expliquemos.

No regime da separação convencional que, repisando, é aquele eleito pelos cônjuges por meio da lavratura de escritura pública de pacto antenupcial, cuja regra principal é a de que cada um terá patrimônio próprio, exclusivo, incomunicável, o cônjuge concorrerá com os descentes do falecido porque pelas regras do direito de família não terá direito a nada. Ou seja, não será meeiro.

Desta feita, para que o cônjuge não fique à míngua, a lei o conduziu ao status de sucessor concorrencial na primeira linha de herdeiros para que receba parte do patrimônio que constitui a herança.

Há quem faça críticas a tal inovação, sobretudo aqueles que se casaram antes da vigência do atual Código Civil no regime da separação convencional. Isto porque na vigência do vetusto Código o cônjuge era afastado tanto da meação tanto da condição de herdeiro. Hodiernamente, todavia, o cônjuge sobrevivo casado em tal regime, embora não seja meeiro, terá direito a um quinhão da herança na condição de herdeiro, o que, na visão de quem se casou em tal regime, acarreta interferência do Estado na vida particular.

A propósito, Euclides de Oliveira, citado por Carlos Roberto Gonçalves, afirma que "a dominante interpretação doutrinária de que, por não constar ressalvas do art. 1829, inc. I, do Código Civil, o regime da separação de bens decorrente de pacto antenupcial leva, inexoravelmente, ao direito de concorrência do cônjuge sobre a quota hereditária dos descendentes."

Dessarte, ainda que existam opiniões colidentes parece-nos clara a condição de herdeiro assumida pelo cônjuge sobrevivente quando o casamento tiver sido realizado no regime da separação convencional.

No que toca ao regime da participação final nos aquestos a regra é a mesma, contudo relativamente aos bens excluídos da meação. Portanto, os bens particulares.

Isso porque o supérstite, por força das regras de direito de família, não será meeiro relativamente aos bens particulares. Assim, também com o propósito de elidir o desamparo material, ao cônjuge sobrevivente será assegurado determinado quinhão em concorrência com os descendentes do morto, sem prejuízo da meação sobre os bens comunicáveis.

Já no regime da comunhão parcial a ideia é assemelhada. O cônjuge fará jus à parte da herança destinada aos herdeiros do de cujus relativamente aos bens particulares (aqueles adquiridos antes do casamento ou que a este sobrevierem a título gratuito), bem como os sub-rogados em seus lugares porque, no que concerne a tais bens, o cônjuge não será meeiro.

Vejamos um exemplo que bem ilustra essa assertiva, em que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse caso hipotético o autor da herança havia adquirido antes de se casar com B um veículo. Na constância da união os cônjuges adquiriram em esforço comum um imóvel.

Por ser um bem exclusivo, porquanto adquirido antes do casamento, o cônjuge sobrevivente não terá à comunhão, não sendo, pois, meeiro, de tal sorte que será o bem partilhado em partes iguais entre os dois filhos (C e D) e o cônjuge (B), cada um recebendo 1/3. É o que se evidencia no aludido gráfico, donde emerge a ideia de que toda a herança fora transmitida em partes iguais aos descendentes.


No que tange ao imóvel não haverá sucessão concorrencial. Noutras palavras, o cônjuge não será herdeiro.

Isso porque o cônjuge já fará jus à metade do bem que fora adquirido a título oneroso na constância da união por força da regra do regime de comunhão parcial. É o que se observa no gráfico acima, notadamente na parte na cor vinho que representa a meação. Assim, considerando que o cônjuge será meeiro, o quinhão do morto será integralmente transmitido aos seus filhos em partes iguais, partes estas representadas pelas demais cores.

Ao cabo desta linha reflexiva chegamos ao remate de que no regime da comunhão parcial só haverá sucessão concorrencial relativamente aos bens particulares, haja vista que em relação aos bens comuns o cônjuge já será meeiro, afastando seu direito à concorrência.

Vale dizer que há posicionamentos colidentes. Com efeito, Maria Helena Diniz e Francisco José Cahali, ambos referenciados por Carlos Roberto Gonçalves [33], divorciam-se desta linha reflexiva, pois ambos partem da premissa de que por ser a herança um bem indivisível não se mostra possível o desmembramento, de tal modo que havendo um bem particular o cônjuge supérstite será herdeiro em concorrência com os descendentes de todo o acervo, ainda que já lhe tenha sido reservada por força do regime de bens a meação.

Ao que nos parece esse posicionamento não se coaduna com a mens legis, porquanto, seguindo o raciocínio alicerçado pelos ditos autores, concluiríamos que o cônjuge sobrevivo poderia acumular em relação ao mesmo bem a posição de herdeiro e meeiro, o que colide, como já dito, com a vontade da lei, pois não se pode olvidar que são os descendentes os herdeiros em primeira classe, sendo o cônjuge alçado à tal categoria de herdeiro em casos especificados em lei.

Logo, se porventura por ocasião da abertura da sucessão o cônjuge houver deixado bens particulares e bens comuns, a remansosa jurisprudência e a assente doutrina têm firmado entendimento no sentido de que deverão incidir duas regras. Quanto aos bens particulares o cônjuge será herdeiro. No que tange aos comuns, considerando a condição de meeiro que assumirá, será afastado da herança.

O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes do de cujus nos regimes da separação obrigatória, no da comunhão universal de bens e no da comunhão parcial sem bens particulares.

A este respeito aduz Jorge Shiguemitsu Fujita que "para que o cônjuge sobrevivente possa concorrer com os descendentes comuns ou exclusivos do falecido, é necessário que não tenha sido casado com ele pelo regime da comunhão universal de bens, ou pelo regime da separação obrigatória de bens ou pelo regime da comunhão parcial de bens, em que o autor da herança não tenha deixado bens particulares."

No que toca ao regime da separação obrigatória concluímos que não há que se falar em sucessão concorrencial, porque ao cônjuge supérstite nada será assegurado, nem a titulo de meação, nem sob a rubrica de herança por expressa vedação legal.

Carlos Roberto Gonçalves acentua que "não faria sentido, com efeito, permitir ao cônjuge eventualmente receber, a título de herança, os mesmos bens que não podiam comunicar-se no momento da constituição do vínculo matrimonial."

Quanto aos regimes da comunhão parcial sem bens particulares e da comunhão universal, inferimos que o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes do morto porque em razão dos regimes de casamento já será conduzido à condição de meeiro, nada recebendo a título de herança, tendo direito apenas à meação, não se podendo esquecer que nesse caso não figurará como herdeiro.

"Entende o legislador que a confusão patrimonial já ocorrera desde a celebração da união nupcial, garantindo-se ao cônjuge sobrevivo, pela meação adquirida, a proteção necessária. De fato, sendo o viúvo ou a viúva titular da meação, não há razão para que seja ainda herdeiro, concorrendo com os filhos do falecido."

5.1.1. Quinhão destinado ao cônjuge supérstite quando concorrer com a classe dos descendentes

Vistas as hipóteses de regime de bens que autorizam a sucessão concorrencial é chegada a hora de verificarmos qual será a parte da herança destinada ao cônjuge.

Se o cônjuge concorrer com descendentes comuns, ou seja, se concorrer com descendentes do morto que também sejam seus parentes na linha reta descendente, receberá o cônjuge quinhão igual ao que por Lei for destinado aos descendentes que receberem por cabeça, sendo reservada como mínimo a quarta parte da herança.

Significa dizer que, se houver quatro descendentes comuns ou mais recebendo por cabeça, o cônjuge sobrevivente receberá ¼ (um quarto) da herança no mínimo, sendo o restante dividido em partes iguais entre aqueles.

Vejamos um exemplo: A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento pelo morto, não fazendo o cônjuge jus à meação.

Considerando que fora observado o quinhão mínimo atribuível ao cônjuge nestes casos – um quarto – visualizamos no gráfico uma divisão igualitária entre os herdeiros B (cônjuge), C e D (filhos), sendo certo que cada um recebeu 1/3 da herança.

Vejamos outro exemplo: A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D e E são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.

Também no gráfico acima notamos o que emerge do texto legal na exata medida em que ao cônjuge sobrevivente fora assegurado o quinhão mínimo a que tem direito – ¼ da herança. Nesse sentido, levando em conta que houve a reserva da quarta parte do acervo hereditário em favor do supérstite, descortina-se no gráfico uma evidente divisão uniformizada.

Por fim, um derradeiro exemplo: A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D, E, F, G e H são filhos comuns do casal, descendentes em primeiro grau do de cujus. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.
num primeiro momento, a reserva da quarta parte da herança em favor do cônjuge. Isso porque concorreu com descendentes comuns, caso em que, de acordo com o Código Civil, há a necessidade de destinação ao cônjuge sobrevivente de quinhão mínimo – ¼. Notamos, ademais, que o saldo remanescente da herança foi dividido em partes iguais entre todos os herdeiros, in casu filho do de cujus, máxime porque, repisando, a Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação.

Ao cabo, importante mencionar que, quando o cônjuge sobrevivente concorrer com descendentes só do morto (enteados do cônjuge sobrevivente, p. ex.), terá direito a quinhão igual ao que por lei for àqueles atribuído por cabeça, não havendo, neste caso, a reserva da quarta parte da herança.

Analisemos, pois, o seguinte caso hipotético em que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C, D, E, F e G são filhos só do morto, seus descendentes em primeiro grau. Nesse exemplo há uma casa adquirida antes do casamento, não fazendo o cônjuge jus à meação.

No caso acima notamos que o cônjuge sobrevivente, padrasto/madrasta dos filhos do autor da herança, receberá quinhão exatamente igual ao que àqueles será destinado, pois nesse caso não há a reserva da quarta parte da herança.

Noutros dizeres, ao revés do que ocorre no caso de concorrência do cônjuge com descendentes comuns, o cônjuge não restou privilegiado com a percepção de ¼ o acervo patrimonial, pois como concorre com descendentes só do morto, seus afins, receberá em partes equivalente à que for atribuída a descendentes.

Questão controvertida exsurge do silêncio legislativo.

Com efeito, previu a lei duas situações: o quinhão a que fará jus o cônjuge supérstite, caso concorra com descendentes comuns e a quota a que terá direito se concorrer com descendentes só do autor da herança. Quedou-se inerte, contudo, na hipótese em que figurarem como herdeiros descendentes comuns e descendentes exclusivos do autor da herança.

Nesse caso de filiação híbrida, como proceder? Deve ser feita a reserva da quarta parte ou não?

Carlos Roberto Gonçalves afirma que "uma parcela preponderante da doutrina sustenta que não assiste ao cônjuge o direito ao benefício se existirem, concomitantemente, descendentes comuns e unilaterais, tendo em vista que o Código Civil assegura ao cônjuge o direito à quota mínima somente quando for ascendente de todos os herdeiros descenentes do falecido."

Outra parte da doutrina firma entendimento no sentido de que a reserva da quarta parte sempre deverá ocorrer, pois o direito do cônjuge não pode ser soterrado, partindo-se da premissa de que todos os descendentes, conquanto não sejam, devem ser considerados comuns.

Uma terceira corrente, minoritária, propõe divisão proporcional da herança. Até mesmo uma análise superficial e desatenta desta proposição leva-nos a conclusão de que por ocasião do desfecho da partilha emergiria evidente afronta à Constituição Federal na medida em que o quinhão dos filhos seria diferenciado, pois os germanos receberiam parte maior do que a dos unilaterais. Ao que nos parece a discussão deve ser travada apenas entre as duas primeiras correntes.

Nesse passo, com o devido respeito à divergência, firmamos entendimento de que no caso de filiação híbrida, ou seja, caso concorram à herança descendentes bilaterais, unilaterais e o cônjuge a reserva da quarta parte da herança em favor deste último não deverá ocorrer.

Tal ponto de vista reveste-se de guarida no esclarecedor ponto de vista de Jorge Shiguemitsu Fujita que, acerca do tema, leciona que "embora a melhor solução fosse a alteração do Código Civil, entendemos que é de bom senso, por ora, atribuir-se uma porção hereditária igual ao cônjuge, a cada um dos descendentes comuns e a cada um dos descendentes exclusivos do de cujus. Desta forma, o cônjuge não teria a reserva da quarta parte da herança", tudo com o fito de atalhar afronta à Constituição Federal – eventual disparidade de direito dos filhos.

Isso porque, no nosso sentir, os descendentes bilaterais seriam privilegiados em prejuízo dos unilaterais, visto que somente eles – os bilaterais – figurariam como herdeiros da parte destinada ao cônjuge supérstite, o que, em análise de larga envergadura, faria com que tivessem direito a quinhão maior que o percebido pelos demais descendentes – os unilaterais.

Sobre a controvérsia leciona Carlos Roberto Gonçalves que "tal solução representa, todavia, apreciável prejuízo aos descendentes exclusivos do falecido, uma vez que, por não serem descendentes do cônjuge com quem concorrem, são afastados de parte considerável do patrimônio exclusivo de seu ascendente falecido."

Com respaldo nas esclarecedoras lições dos renomados autores referenciados, em caso de filiação híbrida o cônjuge sobrevivente não será beneficiado com a reserva da quarta parte da herança, caso em que receberá parte igual à que por lei for destinada aos descendentes que receberão por direito próprio e por cabeça.

Vejamos, agora, como se dá a concorrência entre o cônjuge sobrevivente em caso de concorrência com os ascendentes do de cujus.

5.2. Sucessão concorrencial entre o cônjuge e os ascendentes do de cujus

Inicialmente, mister consignar que o regime de casamento não importará quando diante estivermos de sucessão deferida aos ascendentes, lembrando que os ascendentes do falecido só serão chamados para receberem a herança quando o de cujus não houver deixado absolutamente nenhum descendente.

Como já dito, nestes casos o regime de casamento será irrelevante na exata medida em que independentemente do regime de casamento o cônjuge sempre concorrerá com os ascendentes do morto.

Nesse passo, "se o de cuju deixou, além dos ascendentes, o cônjuge sobrevivente, terá este direito a concorrer com aqueles, qualquer que tenha sido o regime de bens no casamento com o falecido."

Considerando a afirmação supra, podemos concluir que ao revés do que ocorre na sucessão concorrencial na linha descendente, concorrendo o cônjuge com os ascendentes poderá acumular a posição de meeiro e de herdeiro com relação ao mesmo bem, sobretudo porque o Código Civil não ressalvou a possibilidade de cumulação.

Resta saber a que quinhão terá direito o cônjuge sobrevivente.

Caso o cônjuge concorra com os dois ascendentes em primeiro grau do autor da herança (os pais do morto – vide tabela na p. 11), terá direito a 1/3 da herança. "Assim, se o falecido deixou pai e mãe, além do cônjuge, a este caberá um terço da herança." [41]
Considerando que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são os pais do autor da herança, ascendentes em primeiro grau na linha reta. Nesse exemplo há uma casa adquirida apenas pelo morto antes do casamento realizado sob o regime da comunhão parcial, sendo certo que o cônjuge não será considerado meeiro.
Tendo-se em vista que o cônjuge, por força da aplicabilidade das regras inerentes ao regime de bens não será conduzido ao status de meeiro, receberá parte do bem apenas na condição de herdeiro. Assim, nos termos do artigo 1837 do Código Civil, tocar-lhe-á 1/3 da herança, endereçando-se o restante – 2/3 – aos ascendentes do morto que, neste caso, receberão em parte iguais – 1/3 para cada.

Se o cônjuge, por força do regime de casamento, já tiver direito à meação, mesmo assim, diferentemente do que ocorre na concorrência com descendentes, terá direito ao terço da herança previsto em lei, acumulando, neste excepcional caso, a condição de meeiro e herdeiro.

Posto isso, levando em conta o mesmo exemplo acima, com a ressalva de que os cônjuges eram casados no regime da comunhão parcial de bens e que durante o casamento haviam adquirido a título oneroso uma casa, a partilha será feita da seguinte forma:
Percebe-se em primeiro plano que a metade do bem não será alvo de transmissibilidade, pois atina à meação, já pertencente, pois, ao supérstite. A terça parte da outra metade – quinhão do autor da herança – diz respeito à parte da herança destinada ao cônjuge sobrevivente, em respeito ao artigo 1837 do CC. Os outros dois terços, como emerge do gráfico, foram divididos em partes iguais entre os dois ascendentes em primeiro grau, pais do morto, cada um recebendo 1/3. Nesse caso o cônjuge figura ao mesmo tempo como meeiro e herdeiro.

Se, contudo, o cônjuge concorrer com um só ascendente em primeiro grau (só o pai ou só a mãe do autor da herança), levando em conta, neste caso, que um daqueles (pai/mãe) morreu antes da abertura da sucessão ou foi excluído da condição de herdeiro, terá o cônjuge sobrevivente direito à metade (1/2) de todo o acervo patrimonial. É o que prevê o artigo 1837, in fine, do Código Civil.

Nesse elastério, vejamos um caso hipotético em que A é o morto, B o cônjuge e D o pai do falecido.
Notamos que o cônjuge é titular da metade do patrimônio em razão da meação, pois o regime de casamento, neste caso, era o da comunhão universal, sendo certo que como concorreu apenas com um dos ascendentes do morto – o pai: D – fará jus à metade do que por aquele – o morto – fora deixado.

O pai do morto, por sua vez, receberá sozinho a quota remanescente – ½ da herança – independentemente da existência de ascendentes em segundo grau do morto, porquanto na linha reta ascendente, como bem leciona Jorge Shiguemitsu Fujita, "os ascendentes sucedem apenas por cabeça, não havendo sucessão por estirpe ou por direito de representação. Em outras palavras, diversamente do que ocorre na sucessão pelos descendentes, não se dá o direito de representação na linha reta ascendente. Isso significa que o ascendente morto não poderá ser representado por outro parente." [42]

No mais, se o cônjuge concorrer com ascendentes que sejam parentes do falecido em grau superior ao primeiro (avós, bisavós, trisavós – paternos/maternos – do morto, v.g.), considerando que os pais do autor da herança morreram primeiro que ele ou foram excluídos da condição de herdeiros, terá o cônjuge direito a ½ da herança independentemente do número de pessoas com quem concorrer.

Veja-se, considerando que o bem pertencia só ao falecido (regime da separação obrigatória, por exemplo), e que A é o morto, B é o cônjuge sobrevivente, enquanto C e D são avós maternos e E e F são avós paternos, ascendentes em segundo grau na linha reta.
É patente a reserva da ½ da herança em favor do cônjuge, parte esta representada pela cor vinho, em cumprimento à parte final do artigo 1837 do CC. A outra metade da herança fora endereçada aos avôs do autor da herança (maternos e paternos), seus ascendentes em segundo grau.

Se, por outro lado, o bem fora adquirido na constância do casamento a título oneroso e o regime era o da comunhão parcial de bens, será a partilha feita da seguinte forma:

Num primeiro momento, de acordo com o regime de bens, reserva-se a meação. Isso porque o cônjuge terá direito à meação, constituindo esta no gráfico a ½ do todo. Além disso, herdará a metade da parte que atina à herança, sendo que fora reservado o quinhão mínimo a que o cônjuge tem direito nesses casos (1/2). O restante é destinado aos parentes em segundo grau do morto.

Ao cabo, convém repisar que na linha reta ascendente não há direito de representação e a divisão é feita por linha. Com efeito, a parte do quinhão endereçado aos ascendentes será dividida em duas partes iguais, cada qual ligada à linha ascendente materna e paterna.

Após a cisão, será a herança dividida de acordo com o número de ascendentes que a integrem.

Assim, aberta a sucessão de um sujeito que possuía um imóvel e que era casado no regime da comunhão universal de bens, deixando ele, além do cônjuge, um avô materno e avós paternos, considerando a pré-morte dos pais, ascendentes em primeiro grau, após a reserva da meação (1/2 do todo) o cônjuge receberá ¼ do todo – correspondente à metade da herança – na condição de herdeiro.

A outra quarta parte – do todo – será inicialmente dividida em duas partes iguais, estando uma atrelada à linha materna e outra à paterna. Por fim, transcendida a divisão em linha, receberá o avô materno – sozinho – 1/8, ao passo que cada um dos avós paternos receberá 1/16.

CONCLUSÃO

Por meio deste trabalho, estudamos os casos em que o cônjuge será conduzido à primeira e à segunda classe de herdeiros, a despeito de sustentar na ordem de vocação hereditária a mesma posição que ocupava na vigência do Código Civil de 1916.

Ao cabo desta reflexão, concluímos que o vigente Código reparou aresta que existia no antigo Código, notadamente ao incluir o cônjuge na condição de herdeiro necessário e ao alçá-lo ao status de herdeiro concorrente com os descendentes e os ascendentes do morto.

Ao que nos parece ,algumas reformas de ordem técnica devem ocorrer, sobretudo com a finalidade de tapar as lacunas oriundas do silêncio legislativo, máxime no que concerne a hipótese em que o cônjuge concorrerá, concomitantemente, com descendentes exclusivos do morto e com descendentes comuns, pois embora a doutrina e a jurisprudência tenham se posicionado e conquanto haja correntes assentes, a minoria ainda vota, o que pode dar ensejo a disparidades decisórias, o que, em larga escala, poderá afetar a segurança jurídica alvo do texto constitucional.


Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14630

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